Promovido pela SBM, SBMAC e SMM, evento estimulou a colaboração entre jovens pesquisadores e consolidou parcerias científicas entre países da América Latina

Brasil e México compartilham uma longa lista de particularidades: dimensões continentais, forte presença cultural e linguística no cenário latino-americano, desafios sociais comuns e comunidades científicas que, ao longo da história, buscaram soluções criativas para problemas de impacto regional e global. Essas afinidades foram a base sobre a qual se estruturou o I Encontro Conjunto Brasil-México em Matemática, realizado de 8 a 12 de setembro, no Hotel Mareiro, em Fortaleza.
O evento foi promovido em parceria pelas Sociedades Brasileiras de Matemática (SBM) e de Matemática Aplicada e Computacional (SBMAC), pela Sociedade Mexicana de Matemática (SMM) e contou também com apoio da Universidade Federal do Ceará (UFC). A organização reuniu aproximadamente 200 participantes e resultou do espírito dos joint meetings que a SBM, a SBMAC e o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) vêm desenvolvendo desde 2008 com instituições internacionais parceiras.

Mais do que atualizar tendências de pesquisa, o encontro buscou ampliar a cooperação científica na América Latina, fortalecendo redes e estimulando colaborações institucionais. A Presidente da SMM, Gabriela Araujo, lembrou que a ideia começou a ser gestada ainda em 2023, em diálogo com Jaqueline Mesquita, atual Presidente da SBM.
“Percebemos que havia muito em comum entre nossos países, não apenas culturalmente, mas também na forma como nossas comunidades científicas se organizam. O encontro foi uma oportunidade de transformar essas afinidades em cooperação efetiva”, disse a pesquisadora, que é embaixadora do México no Comitê de Mulheres da Matemática da União Matemática Internacional (IMU, sigla em inglês).

Para Jaqueline, a escolha da capital do Ceará como sede não foi casual e representou um gesto simbólico para a matemática brasileira e do Nordeste. “Fortaleza é um grande polo na área de matemática. Na graduação, forma olímpicos; na pós-graduação, a UFC tem conceito máximo da CAPES. Além disso, já havia uma colaboração consolidada entre pesquisadores da UFC e do México. Trazer o evento para cá foi uma forma de valorizar esse protagonismo”, afirmou a professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
O pró-reitor adjunto de Pesquisa e Pós-graduação da UFC, Luiz Gonzaga Lopes, reforçou o simbolismo da escolha em um momento em que o curso de Matemática da instituição completa 60 anos. “É um marco não apenas para a UFC, mas para toda a comunidade científica local, ao aproximar nossos estudantes de grandes nomes da área e projetar Fortaleza como polo internacional de excelência”, disse Lopes.

Cooperação institucional como legado
Um dos pontos altos da programação foi a assinatura do Acordo de Reciprocidade e Colaboração entre SBM, SBMAC e SMM. O documento prevê a realização periódica de encontros conjuntos, incentivo ao intercâmbio estudantil e promoção da diversidade na matemática. Outro trecho de destaque é a reciprocidade de benefícios para os associados: a partir de agora, membros de cada sociedade poderão usufruir de descontos em congressos e eventos organizados pelas entidades parceiras.
Jaqueline Mesquita sublinhou que o acordo dialoga diretamente com o trabalho da União Matemática da América Latina e do Caribe (UMALCA), que reúne sociedades de todo o continente.

“Brasil e México são dois dos pilares da UMALCA. Essa parceria reforça o papel estratégico que temos dentro da América Latina, não só na produção científica, mas também na formação de jovens matemáticos e no fortalecimento de redes regionais. A cooperação é o caminho para ampliar nossa relevância no cenário internacional”, afirmou ela, que também preside a entidade desde março.
Para o professor da Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM), Diego Rodríguez, a iniciativa mostra maturidade institucional e um compromisso histórico de longo prazo.
“O acordo não é apenas um documento. Ele simboliza a confiança mútua que Brasil e México construíram ao longo de décadas de diálogo acadêmico. Essa confiança agora se traduz em oportunidades concretas para nossos jovens e em maior integração latino-americana”, analisa o mexicano, que completou parte de sua formação acadêmica no IMPA.

Presidente eleita da SBMAC, María Soledad Aronna destacou a contribuição da Sociedade para estruturar esse tipo de colaboração. “A SBMAC tem tradição em promover conexões institucionais, como já ocorre em encontros internacionais apoiados, por exemplo, pelo International Council on Industrial and Applied Mathematics (ICIAM) ou coordenados pela SBMAC em conjunto com outras sociedades e instituições da América Latina. O LACIAM, realizado em 2023, é um exemplo deles. Essa experiência nos deu segurança para propor uma estrutura clara ao acordo com o México. Há muito espaço para crescer, especialmente em matemática aplicada, onde Brasil e México têm grupos fortes em áreas como controle, equações diferenciais e biologia matemática”, explicou a pesquisadora da Escola de Matemática Aplicada da Fundação Getulio Vargas (FGV EMAp).
Diversidade de temas e troca de experiências
A programação contemplou plenárias, sessões temáticas e atividades de divulgação científica, reunindo áreas que vão da álgebra à teoria dos grafos. Para a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Luciane Quoos, especializada em curvas algébricas e criptografia, a oportunidade de dialogar com colegas mexicanos mostrou a relevância de fortalecer a cooperação latino-americana diante de desafios contemporâneos como a segurança digital.
“É sempre muito importante você ter essas conferências internacionais para criar laços com colegas de outros países para você também ver a pesquisa que está sendo realizada em outros locais. Além do privilégio de conectá-la com a sua própria pesquisa, talvez fazer novas colaborações e ter contato com alunos, que vêm e perguntam sobre o processo”, defende Luciane.

A pluralidade de temas também foi sentida pelos estudantes. A doutoranda mexicana Ileana Gonzalez destacou o ‘calor humano’ da recepção brasileira e a importância de vivenciar presencialmente colaborações que antes existiam apenas à distância.
“Apesar de não falarem a mesma língua, as pessoas no Brasil sempre querem conversar conosco, sempre buscam se conectar conosco. Acho que isso é peculiar do latino-americano. Foi uma das melhores experiências da minha vida”, avaliou a estudante de doutorado da UNAM, que vem se especializando na área de Teoria dos Grafos.

A pesquisadora mexicana Natalia Jornad Pérez, também professora da UNAM, também ressaltou a importância da circulação de ideias e da renovação das colaborações.
“Eventos como este são fundamentais para que possamos quebrar barreiras e criar pontes. A matemática precisa desse ambiente de diálogo constante, onde pesquisadores seniores e jovens se encontram e constroem algo juntos. O impacto disso não se mede em um ano, mas em toda uma geração de cientistas”, afirmou ela, que ministrou uma das sessões plenárias em Fortaleza.

Já o mestrando brasileiro Lucas Teles, que é natural de Fortaleza, celebrou a chance de conhecer pesquisadores cujos nomes só via em artigos. “Fiz contato com pessoas que não conhecia e pretendo seguir essa colaboração científica. Nunca havia ido a um evento de tamanha magnitude. Ver gente da minha área específica e pesquisadores falando sobre a paixão pela matemática representa uma motivação insana para mim, daquelas de lembrar não somente a longo prazo, mas passar os próximos meses relembrando os detalhes de cada experiência que vivi”, analisou o estudante do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME-USP).
O graduando Nicolas Enrique Bojorquez Soto, da Universidad Autónoma de Baja California (UABC), no México, contou que voltará a seu país decidido a seguir carreira acadêmica, com planos de realizar mestrado ou doutorado no Brasil. “O encontro abriu meus olhos para possibilidades que eu não imaginava. Agora, mais do que nunca, quero continuar meus estudos e buscar uma formação também aqui no Brasil”, afirmou ele, sempre aficcionado a participar de eventos científicos em sua instituição.
Memória e homenagem
Entre os momentos mais emocionantes do Encontro Brasil-México, em Fortaleza, esteve a homenagem à professora Maria Aparecida Soares Ruas, a Cidinha, ex-diretora da SBM e professora emérita do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, falecida em junho. A solenidade foi conduzida pela professora Thais Dalbelo, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), que destacou a generosidade da homenageada com jovens pesquisadores e sua capacidade de unir pessoas em torno da matemática.

“Mais do que suas contribuições acadêmicas, Cidinha será lembrada pela doçura, pelo olhar atento aos jovens e pelo dom de acolher”, disse Thais, com quem trabalhou ao lado de Cidinha desde 2022 no Grupo de Singularidades de São Carlos.
Jaqueline Mesquita também ressaltou a dimensão internacional da trajetória de Cidinha, que foi integrante da Diretoria da SBM de 2023 a 2025, e seu legado que dialoga diretamente com o espírito do evento.
“Cidinha sempre acreditou na cooperação internacional como caminho para fortalecer a matemática brasileira. Ela cultivava colaborações com colegas do México e de tantos outros países, e enxergava nesses laços uma forma de projetar o Brasil no cenário mundial. Ela teve um papel fundamental neste encontro. Muita justa essa sessão de memória para lembrar do legado que ela deixou para todos nós. Ela se faz presente nessa programação”, analisou.
Um olhar para o futuro
Logo em sua primeira edição, o evento mostrou que as duas nações, embora de localidades diferentes do globo, compartilham desafios científicos, culturais e sociais que tornam a cooperação estratégica.

Como sintetizou Jaqueline Mesquita: “Queremos que este evento não seja isolado. Já discutimos uma segunda edição no México. Temos que aproveitar o potencial da América Latina, estreitar relações e construir uma rede sólida de colaboração”.
Na mesma direção, María Soledad Aronna reforçou a importância de estimular jovens pesquisadores a usar esse espaço como trampolim para suas trajetórias. “A matemática não se faz sozinha. Essas conexões são o que dão força e visibilidade ao nosso trabalho, e o acordo institucional garante que elas se tornem cada vez mais frequentes”, defendeu a professora da FGV EMAp.
Por sua vez, a Presidente da SMM, Gabriela Araujo, destacou o simbolismo de concretizar uma ideia pensada anos antes e projeta a continuidade do projeto. “Este é apenas o começo. O encontro abriu portas para uma cooperação de longo prazo, que terá impacto direto em nossas comunidades e especialmente nas novas gerações de matemáticos”, afirmou a pesquisadora do Instituto de Matemática da UNAM.

Assim, entre sessões científicas, diálogos institucionais e homenagens, o I Encontro Conjunto Brasil-México em Matemática deixou como legado não apenas um acordo assinado, mas também a certeza de que o futuro da matemática latino-americana passa pela cooperação.