Presidente Jaqueline Mesquita foi uma das representantes do Brasil em evento que homenageou um dos grandes nomes da Matemática Moderna
Na última semana, a Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) esteve presente em conferência sediada na Universidade de Miami (UM) em comemoração ao Centenário de Solomon Lefschetz, importante matemático norte-americano que é uma das grandes referências nas áreas de Topologia e Geometria Algébricas e Equações Diferenciais. A Presidente Jaqueline Mesquita foi uma das palestrantes do evento organizado pelo Instituto de Ciências Matemáticas das Américas (IMSA).

A conferência reuniu pesquisadores expoentes da Matemática, entusiastas e acadêmicos de todo o mundo. Foram seis dias de plenárias e rodas de debates entre cientistas dos mais vastos segmentos. A programação começava pela manhã e seguia até o fim da tarde, no auditório principal do Pavilhão Lakeside Village da UM – mesmo palco da 2ª edição do Mathematical Waves Miami (MWM), ao qual Jaqueline também compareceu no fim de janeiro.
Além da Presidente da SBM, o Brasil foi representado na homenagem a Lefschetz por outros pesquisadores conceituados, como Lino Grama, professor do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (IMECC) da Unicamp; Leonardo Cavenaghi, aluno de pós-doutorado do IMECC e atualmente pesquisador na Universidade de Miami; e Carlos Aragão, Diretor de Desenvolvimento Científico e Tecnológico da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

A conferência contou com nomes internacionais de destaque, como Ernesto Lupercio, membro executivo do IMSA e pesquisador do Centro de Investigação e de Estudos Avançados do Instituto Politécnico Nacional (CINVESTAV), Dennis Sullivan e Nikita Nekrasov, professores da Universidade Stony Brook, em Nova York, Alberto Verjovsky, pesquisador do Instituto de Matemática da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), John Morgan, matemático da Universidade de Columbia, Mina Teicher, professora de Matemática e Neurociência na Universidade de Miami, entre outras referências.
A relevância de Lefschetz, que transformou a Matemática à sua maneira
Diretor Acadêmico da Universidade de Miami, Guillermo ‘Willy’ Prado fez questão de enaltecer a presença de tantos pesquisadores de ponta no evento. Para ele, que também atua como Reitor interino na instituição, a conferência realmente soube atrair nomes de peso da comunidade científica em memória a Lefschetz, que, de fato, moldou o rumo da Matemática Moderna.
“É realmente um prazer fazer parte de um evento ligado a pessoas incrivelmente talentosas que trabalham de forma tão resiliente. É uma honra celebrar esse evento com pesquisadores que, hoje, compõem o rol de entidades como a Academia Nacional de Ciências. Só tenho a agradecer a todos e também ao IMSA, que constantemente protagoniza eventos com programações diferenciadas como este”, reconheceu Prado.
Professor na instituição que sediou o evento, Phillip Griffiths relembra que ouviu histórias sobre Solomon Lefschetz – falecido em 1972 – desde a época em que fazia Iniciação Científica na graduação. O homenageado realmente tinha um comportamento ímpar que o levava a galgar degraus importantes no reconhecimento dentro de área matemática.

“Uma vez escrevi um artigo sobre ele (Lefschetz) e, entre os pontos, constava que, de fato, ele era combativo. Ele gostava de desafiar os alunos. Ouvi do meu orientador que o relacionamento de Lefschetz com os reitores da universidade nem sempre era harmonioso e, graças a essa personalidade, ele conseguiu alunos de pós-graduação de alta qualidade”, contou Griffiths, que compõe o Comitê Científico do IMSA.
Durante uma das várias plenárias do evento, Janet Verjovsky, esposa de Alberto Verjovsky, tomou o microfone para externar detalhes da relação muito próxima do mexicano com Lefschetz. Como ocorreu ao longo de décadas no século passado, o matemático norte-americano de origem russa cativou inúmeros pesquisadores da América Latina.
“Eu sabia que Lefschetz era esse enorme herói de Alberto e que era o responsável por sua entrada na Brown University. Ele tinha um relacionamento muito próximo com Alberto, era sempre preocupado com ele, se estava tudo bem, se ele estava confortável. Eu mesma tinha uma distância obviamente, mas admirava e respeitava a amizade dos dois. Era simplesmente um cavalheiro muito charmoso quando vinha nos visitar”, lembrou Janet.

Lefschetz e sua influência com o Brasil
A relação de Lefschetz com o Brasil pode ser resumida na parceria com o cientista Maurício Peixoto, Presidente da SBM de 1975 a 1977 e um dos fundadores do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA). Ainda na década de 1950, Peixoto foi apresentado ao conceito inicial de Estabilidade Estrutural – área em que se tornaria uma referência mundial décadas mais tarde, com seu próprio teorema, o ‘Teorema de Peixoto’ – exatamente pela influência do matemático norte-americano.
Ao receber uma mensagem de Peixoto em um Congresso no México, Lefschetz convidou o brasileiro a passar uma temporada na Universidade de Princeton, onde lecionava, em 1957. A influência de seu professor fez Maurício – engenheiro de formação – se tornar uma referência nas Ciências Matemáticas, mesmo após sua morte, em 2019.

Para se ter uma ideia, o ‘Teorema de Peixoto’, que caracteriza os campos de vetores estruturalmente estáveis em variedades compactas de dimensão, foi um marco matemático no Brasil e no mundo relacionado a Sistemas Dinâmicos.
Convidado pelo IMSA, o cientista Carlos Aragão participou de uma das mesas-redondas da conferência em Miami exatamente para conectar a história de Lefschetz com a de Peixoto. “Essa relação ilustra a força do personagem Lefschetz, que deu condições ao Mauricio de realizar o trabalho, o ‘Teorema de Peixoto’, que inaugurou o estudo de Estabilidade Estrutural em Sistemas Dinâmico,. Ele teve um grande impacto para o crescimento do IMPA. Para você ver o quão importante foi o Lefschetz para a ciência mundial, em especial o Brasil”, analisou o Diretor da Finep, com quem trabalhou com Peixoto ao longo de sua empreitada científica.

Jeito peculiar de ensinar e inspirar quem gostava de Matemática
Ganhador do Prêmio Abel em 2022 – uma das maiores honrarias da Matemática, análoga ao Prêmio Nobel para a área -, Dennis Sullivan reconheceu que uma das principais contribuições de Lefschetz para a Matemática Moderna raramente é lembrada na maioria das vezes no estudo mais aprofundado da disciplina.
“Ele (Lefschetz) deu um caráter mais intuitivo sobre as relações matemáticas. Lembro que, quando estava aprendendo sobre conceitos de Topologia e Topologia Algébrica, no começo dos anos 70, percebia que os apologistas geométricos não se importaram muito com o avanço da álgebra, e as técnicas algébricas não se importaram muito com a geometria. Mas Física é cálculo, são fórmulas, exemplos mais concretos. E a forma com que Lefschetz se posicionava, questionava, instigava seus alunos, isso mudava o jeito de ver a Matemática”, comentou o matemático, que uniu a Teoria do Caos e os Espaços Geométricos dentro da área.

Brasil no epicentro da matemática internacional
Diante de tantos pesquisadores e entusiastas que são referências mundiais na Matemática, Aragão se considera lisonjeado por ter feito parte da homenagem a Lefschetz. É a comprovação de que o Brasil, de fato, também se consolida como uma das nações mais impactantes no ramo científico atual.
“A presença de um cientista brasileiro, em âmbito do governo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), é algo positivo, pois mostra, em uma conferência internacional tão importante, que o Brasil tem cientistas ativos para a definição de políticas públicas para a área de Ciência e Tecnologia. O evento foi de alta qualidade, a matemática apresentada nas palestras é de alto nível, e tivemos pesquisadores reconhecidos, como Dennis Sullivan, John Morgan, Alberto Verjovsky. E o Brasil foi muito bem representado por Jaqueline Mesquita, Lino Grama e Leonardo Cavenaghi. A ciência brasileira já faz parte do cenário internacional de forma destacada”, opinou o dirigente da Finep.

Também integrante do Comitê Científico do IMSA, Jaqueline corrobora a visão de Aragão e enfatiza o quão relevante se mostra para o Brasil enviar representantes para conferências de impacto mundial, como o Centenário de Lefschetz.
“O evento reuniu autoridades de grande destaque na área, incluindo ganhadores do Prêmio Abel, o que reforça ainda mais a importância da presença de representantes brasileiros, destacando a excelência da produção científica nacional. A participação do professor Carlos Aragão teve um papel central ao compartilhar conosco a rica e histórica conexão entre a matemática brasileira e Lefschetz. Isso só evidencia a qualidade da matemática desenvolvida em nosso país e fortalece nossa inserção no cenário internacional”, finaliza a Presidente da SBM.
A Universidade de Miami se prepara para receber novamente cientistas e entusiastas da matemática mundial em breve. Entre 21 e 25 de julho, o IMSA organizará o Congresso de Matemática das Américas (MCA, sigla em inglês), um dos mais importantes do calendário científico em 2025.