Vamos falar de eleições nas aulas de Matemática?
Fábio Xavier Penna (fabio.penna@unirio.br)
Política é um assunto polêmico. No centro das controvérsias estão decisões estratégicas importantes a serem tomadas tanto pelos representantes do poder executivo quanto do legislativo. Economia, saúde, educação, cultura e meio ambiente, dentre vários outros temas, estão presentes nos veículos de comunicação e nos debates eleitorais nestes tempos de eleição. O impasse nas discussões também ocorre por questões pessoais como ideologias, interesses, empatia e fé. Seja por razões objetivas ou subjetivas, nos últimos pleitos a antipatia a determinados candidatos ou partidos ganhou relevância no cenário eleitoral. Essa característica vem sendo medida nas pesquisas eleitorais pelo índice de rejeição aos candidatos. Isso nos leva a crer que um sistema de votação no qual esse índice pudesse ser quantificado e tivesse relevância poderia ser um passo importante no sentido de revigorar nossa frágil democracia. Veremos que a Matemática tem muito a colaborar para esta discussão.
Dado um certo número de opções, existem diferentes formas de se fazer escolhas. O sistema de votação vigente no Brasil tem alguns aspectos como a obrigatoriedade de participação, a possibilidade de coligações partidárias, vencedor único com maioria simples em dois turnos (usada para cargos do poder executivo) e múltiplos vencedores com maioria proporcional em turno único (usada para eleger representantes do poder legislativo). Em nosso país os distritos eleitorais das votações para vereadores e prefeitos são as próprias cidades. Já os distritos das eleições para deputados estaduais, federais e senadores são os respectivos estados e o distrito eleitoral do pleito para presidente é todo o país. Os pontos listados podem variar de acordo com o sistema de votação adotado. Por exemplo, quem acompanha as eleições presidenciais nos Estados Unidos percebe que a base do sistema eleitoral de lá são os colégios eleitorais, inexistentes no Brasil. Outras características determinadas pelo sistema de votação são o design da cédula eleitoral, o peso dos votos e o método de contagem utilizado, que discutiremos a seguir.
Vamos considerar, por exemplo, três métodos de contagem para eleições de vencedor único: maioria simples, votação por nota (ou Contagem de Borda) e Método de Condorcet. Num sistema de votação por maioria simples, ganha a opção que tiver mais votos. Na votação por nota, cada eleitor atribui notas aos candidatos: 1 para o último (maior rejeição), 2 para o penúltimo etc. Numa eleição por nota com, digamos, cinco candidatos, o preferido do votante ganharia nota 5 na cédula. A nota final de cada candidato é a soma das notas atribuídas por cada eleitor e vence o candidato com maior nota final. Já num sistema eleitoral que use o Método de Condorcet, todas as opções são comparadas duas a duas. A opção que superar todas as outras é a vencedora. Todos os métodos podem ser refinados com critérios de desempate, o que desconsideraremos aqui.
Imagine uma eleição com 3 candidatos A, B e C e 100 votantes. Na votação por nota, vamos denotar um voto da forma X>Y>Z como um voto que atribuiu nota 3 ao candidato X, 2 ao candidato Y e 1 ao candidato Z. Suponhamos que em determinado pleito tivemos: 40 votos A>B>C, 35 votos B>C>A e 25 votos C>B>A. Na eleição por maioria simples, o candidato A ganharia com 40% dos votos, apesar de ter 60% de rejeição. Caso fosse uma votação por nota, o candidato A teria 40×3 + 35×1 + 25×1 = 180 pontos. De forma similar obtemos que C teria 185 pontos e B seria o vencedor com 235 pontos. Já numa eleição com Método de Condorcet, na comparação de A com B teríamos que 40 votantes preferem A a B (A>B) enquanto 60 preferem B a A (B>A). Temos números idênticos a favor de C na comparação de A com C. Já na comparação de B com C temos que 75 votantes preferem B a C e 25 preferem C a B. Portanto no Método de Condorcet a opção B também sai como a vencedora.
Na comparação do sistema de votação por maioria simples com os sistemas por nota e Condorcet, uma grande diferença é que estes dois medem e contabilizam as rejeições aos candidatos. Cenários políticos polarizados e hostis, como vem sendo a tônica atualmente em vários países, esvaziam o voto afirmativo de um cidadão, incitando os votos “anti” (antibolsonarista, antipetista etc). Independente do candidato eleito por maioria simples, isso costuma ser um problema para tal, repercutindo na sua governabilidade, credibilidade e popularidade. Quem mais perde é a democracia e, por consequência, o cidadão. Um sistema eleitoral que computa as rejeições aos candidatos poderia favorecer a eleição de uma terceira opção com menor rejeição e circunstâncias melhores para articulação e gestão.
Na dissertação “Sistemas de votação e o Teorema da Impossibilidade de Arrow”, o egresso do Profmat-UFC Daniel Mitchel apresenta diferentes sistemas de votação e discute suas propriedades e limitações no sentido de se obter um processo de escolha justo. Seu trabalho deixa claro que o resultado de uma eleição pode mudar drasticamente quando se usa sistemas eleitorais diferentes, mesmo que os sistemas pareçam, à priori, retornar escolhas justas. Segundo Mitchel, isto confirma que o resultado de uma eleição está diretamente ligado ao sistema eleitoral adotado. Mitchel conclui o trabalho demonstrando o Teorema da Impossibilidade de Arrow e discutindo suas consequências. Esse resultado, demonstrado pelo economista Kenneth Arrow em 1950, foi uma das razões pelas quais ele foi agraciado com o Nobel de Economia em 1972. Simplificando bastante, o teorema afirma que é impossível um sistema de votação satisfazer todas as características qualitativas desejáveis para tais sistemas. Arrow mostrou que várias das características importantes para que um sistema de votação seja eficiente são mutuamente contraditórias e, por esta razão, ao se avaliar um sistema de votação é necessário decidir quais destas características são mais importantes para determinada eleição. De fato, seria no mínimo ingênuo acreditar na existência de um sistema de votação que resolvesse nossas questões políticas, seja para a escolha do síndico do prédio ou do presidente da república.
O estudo dos sistemas eleitorais é transversal a áreas como a Matemática, a Economia, as Ciências Sociais, a Computação e até a Filosofia. Isto já mostra seu potencial para gerar boas atividades de ensino para a Escola Básica. No que concerne à Matemática, eleição é um tema relacionado à combinatória, probabilidade, estatística e pensamento computacional, sendo ótima opção motivadora para discussões nestes assuntos. Num contexto mais geral, sistemas de votação são um caso particular típico de problemas da Teoria dos Jogos, tema de vários trabalhos de conclusão de curso do Profmat e objeto de muitos recursos educacionais produzidos no programa. John Nash, o célebre matemático retratado no filme “Uma Mente Brilhante” é um dos expoentes da área de Teoria dos Jogos. Um de seus legados, presente no filme quando ele tem o insight na famosa cena do bar, mostra a relevância de se falar sobre escolhas nas aulas de Matemática da Educação Básica: “O melhor para o grupo acontece quando todos no grupo fazem o melhor para si e para o grupo.” Que tal escolher uma eleição para contextualizar, analisar e compreender esta máxima?