Aos 37 anos, o professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) é autor de artigo inovador que propõe uma nova homologia para estudar fenômenos métricos

Concedido a cada dois anos pela Sociedade Brasileira de Matemática (SBM), o Prêmio SBM distingue o melhor artigo original de pesquisa publicado recentemente por um jovem pesquisador residente no país. A avaliação leva em conta critérios como originalidade, relevância, profundidade e potencial de impacto na área de atuação. A entrega ocorre tradicionalmente durante o Colóquio Brasileiro de Matemática — e, em 2025, a honraria foi concedida a José Edson Sampaio, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC).
A cerimônia ocorreu no último dia 30 de julho, no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), sede do Colóquio, em sua 35ª edição. Aos 37 anos, Sampaio é pesquisador PQ A (bolsista de Produtividade em Pesquisa – do nível A) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e tem se destacado por seu trabalho em Geometria Lipschitz e Topologia Métrica.
Apesar da sólida trajetória, o pesquisador conta que a notícia da premiação foi recebida com surpresa e alegria. “Recebi a notícia por e-mail e fiquei muito feliz. Foi muito bom ter esse trabalho reconhecido”, comemorou Sampaio, que recebeu o prêmio das mãos de Jaqueline Mesquita, Presidente da SBM.
O artigo premiado, “Moderately Discontinuous Homology”, foi publicado na revista Communications on Pure and Applied Mathematics em coautoria com Javier Fernández de Bobadilla, Sonja Heinze e María Pe Pereira.
Da concepção teórica à profundidade métrica: uma nova homologia capaz de revelar sutilezas invisíveis à topologia clássica
No artigo, os autores apresentam a Homologia Moderadamente Descontínua (Homologia MD) — uma nova teoria de homologia que busca capturar fenômenos métricos com mais sensibilidade do que a homologia clássica de Poincaré. A proposta é original por ampliar a aplicabilidade das chamadas homologias métricas para além da distância geodésica, abrangendo inclusive a distância Euclidiana.
“As teorias anteriores só funcionavam com distância geodésica. A Homologia MD funciona com muitas outras distâncias e ainda satisfaz propriedades fundamentais, como a invariância homotópica e o Teorema de Mayer-Vietoris”, explica Sampaio.
Segundo o autor, um dos principais resultados do trabalho foi mostrar que a nova homologia é capaz de detectar singularidades em conjuntos analíticos complexos. Em termos simples, se um conjunto analítico complexo tem a Homologia MD de um conjunto suave, então ele próprio é suave.
“A Homologia MD é uma homologia métrica muito geral, computável e forte o suficiente para recuperar informações das teorias anteriores e detectar fenômenos finos”, analisa.
Do sertão para a fronteira da Matemática — e com diálogo com a Matemática Aplicada
Nascido na capital paulista, José Edson Sampaio mudou-se ainda bebê para o interior do Ceará. Foi em Milhã, no sertão cearense, que passou toda a infância e adolescência. Apesar do nascimento em São Paulo, é como “milhaense” que gosta de se identificar.
Hoje, ao lado da matemática teórica, Sampaio enxerga conexões do seu trabalho com áreas aplicadas, como ciência de dados e neurociência. Ele aponta similaridades entre a Homologia MD e a Homologia Persistente, teoria fundamental na análise topológica de dados (TDA).
“Acredito que ela pode agir na Geometria Lipschitz como a homologia ordinária atua na Topologia. Tenho conversado com colegas da Matemática Aplicada, e há propriedades semelhantes entre a Homologia MD e a Homologia Persistente”, confirma o pesquisador.
Caso essas conexões se confirmem, o impacto do artigo poderá ir além da matemática pura e dialogar com iniciativas interdisciplinares que usam topologia para explorar grandes volumes de dados ou estruturas complexas, como o cérebro.
Formação e trajetória acadêmica
Sampaio fez toda sua formação acadêmica na UFC — graduação (2010), mestrado (2012) e doutorado (2015). Em 2016, ingressou como professor da própria instituição. Entre os momentos marcantes da carreira, ele destaca o pós-doutorado de dois anos no Basque Center for Applied Mathematics (BCAM), na Espanha, fundamental para a conclusão do artigo premiado.
“À época, um professor do magistério superior ainda podia fazer um pós-doc prolongado. Esse período foi crucial para amadurecer o trabalho”, admite o pesquisador.
O interesse pela Matemática começou cedo, ainda no Ensino Médio, estimulado pela participação em olimpíadas científicas. Em sua trajetória, destaca a importância de dominar fundamentos e de manter a resiliência — qualidades que também busca inspirar em jovens matemáticos.
“Fazer a primeira olimpíada de matemática das escolas públicas do Ceará, em 2003, e a primeira OBMEP, em 2005, foram experiências decisivas para que eu seguisse carreira na matemática”, recorda Sampaio.
Reconhecimento a uma pesquisa de fronteira
Com a premiação de José Edson Sampaio, o Prêmio SBM 2025 destaca não apenas um resultado matemático de excelência, mas também uma trajetória construída entre a formação pública de qualidade, o interior do país e a pesquisa de fronteira com impacto internacional.
Por fim, Sampaio reforça a importância da formação sólida e da perseverança no caminho científico: “Seja um especialista e busque excelência, mas nunca negligencie os fundamentos. É no domínio profundo do básico que se constrói um verdadeiro especialista. E acima de tudo, cultive a resiliência: o caminho da matemática é feito de persistência diante dos desafios.”
Ao reconhecer a originalidade e a profundidade de sua proposta, a SBM reforça seu compromisso com o incentivo à ciência de alto nível no Brasil — e com o papel fundamental dos jovens pesquisadores na renovação da matemática brasileira.