Vice-diretora da UFAL foi reconhecida na categoria “Faz a diferença na Matemática” por sua luta diária pela igualdade de gênero na ciência brasileira
Juliana Theodoro Lima sempre se destacou por sua determinação e ousadia. Desde cedo, ela mostrava que seu caminho seria único, desafiando expectativas e superando limites. Nunca foi sobre seguir regras, mas sobre traçar suas próprias rotas, com inteligência, coragem e foco. Desistir? Não era uma opção. Quando alguém dizia que algo era impossível, era exatamente aí que Juliana se transformava, determinada a provar o contrário.
Desde pequena, ela já demonstrava seu talento. Aos quatro anos, aprendeu a ler sozinha, e aos 16, já estava na faculdade. E se ainda restam dúvidas sobre o espaço das mulheres no ensino superior, Juliana faz questão de afirmar: lugar de mulher é onde ela quiser.
Sua trajetória acadêmica brilhante e seu papel de liderança em projetos educacionais para mulheres em Alagoas a levaram a conquistar o prêmio ‘Elas na Matemática’. A honraria é uma iniciativa da Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) em parceria com o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
A professora do Instituto de Matemática da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) recebeu o prêmio durante o I Workshop da SBM de Mulheres na Matemática, realizado na Universidade Estadual de Maringá (UEM), no início do mês. Como não poderia deixar de ser, Juliana conquistou a honraria na categoria “Faz a diferença na Matemática”, criada para reconhecer o trabalho das cientistas que contribuíram de forma significativa com a inserção feminina no ambiente acadêmico na área de Matemática.
E a professora realmente promove a capacitação de mais mulheres pesquisadoras e coordena, em Alagoas, iniciativas que empoderam jovens meninas a ingressarem na área.
“Cada prêmio que a gente recebe, nós, mulheres, que vivemos em ambientes predominantemente masculinos, machistas, misóginos e de assédio, é um alento para nosso coração. Por isso, esse prêmio representa um orgulho gigante para mim. É uma sensação indescritível”, declara a pesquisadora.
Ao longo de sua carreira, Juliana acumulou importantes conquistas, incluindo um doutorado com período de pesquisa no Canadá e três pós-doutorados pela Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos.
Além das suas outras atribuições, a cientista se dedica ao projeto ‘Mulheres nas Ciências’, criado em 2018, que busca ampliar a participação feminina nas áreas de Exatas, Engenharias e Computação (STEM, sigla em inglês). O objetivo é ampliar o leque de oportunidades para mulheres em áreas historicamente dominadas por homens.
“A mulher carrega essa síndrome, um estigma, porque nos ensinam que esse não é nosso lugar. ‘Não, Ciências Exatas é coisa para menino.’ Então, durante essa luta, nós temos que lutar primeiramente dentro de nós para nos educarmos no sentido de falar: ‘Não, menina, esse é seu lugar’. Eu empodero minhas alunas. A gente precisa ensiná-las que o lugar delas é onde elas quiserem, e não onde os outros querem que seja. E se a gente precisar se impor com o rótulo de ser ‘louca’, precisamos fazer isso”, reforça a vice-diretora do Instituto de Matemática (IM) da UFAL.
Juliana também exerce a função de coordenadora de Extensão do IM, sendo a primeira mulher a ocupar tal cargo em 50 anos de cursos de Matemática na UFAL. Além disso, suas iniciativas a favor da isonomia chegaram até o sistema prisional feminino em Alagoas.
A ideia é que as presas também tenham chance de, por meio da educação, progredir e representar um benefício de volta para a sociedade. “Até o sistema educacional prisional é patriarcal. Enquanto as mulheres têm acesso apenas a aulas básicas, os homens podem cursar faculdade e trabalhar, sendo remunerados por isso”, lembra.
Por tantas contribuições dentro e fora da universidade, Juliana não tem dúvidas de que tomou a melhor decisão em trabalhar com ciência. “Eu acho incrível ser cientista, mesmo em um país onde cientista é perseguido, ainda se acredita em santinho do WhatsApp, de chip na vacina… Me dá um orgulho do caramba de falar: ‘Eu sou cientista’. Pode parecer meio piegas, mas eu nem espero que seja lembrada por isso. Mas espero, de coração, que no futuro as mulheres sejam respeitadas. E se for para alguém lembrar de mim, que lembram daquela professora que lutou pela igualdade de gênero na ciência”, narra ela.
No âmbito da pesquisa, Juliana é especialista na área de Topologia Algébrica. Suas pesquisas são relacionadas aos Grupos de Tranças em Superfícies, Enlaçamentos de Intervalos e Enlaçamentos de Intervalos Generalizados em Superfícies, Grupos de Link-Homotopia de Tranças em Superfícies, Ordenação, Representações e Apresentações de Grupos de Tranças, Enlaçamentos de Intervalos e Intervalos Generalizados em Superfícies, Teoria dos Nós e aplicações em Teoria das Singularidades.
Perfil
Paulista de Jaboticabal, a 100 km de São Carlos, no interior paulista, Juliana é filha de mãe aposentada como professora. Vem daí, talvez, sua identificação com a arte de educar e ensinar as pessoas.
Aprendeu a ler sozinha aos quatro anos, ingressou na escola com cinco e, em pouco tempo, já se via mergulhada nos livros que a mãe trazia da escola. Para ela, era muito mais prazeroso do que brincar com os coleguinhas.
A fascinação pela Matemática veio naturalmente, já que Juliana gostava da beleza de fórmulas e o arranjo dos números. Com 16 anos, passou no vestibular e entrou na Unesp, em São José do Rio Preto, para o curso de Bacharelado em Matemática.
Após quatro anos no Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (Ibilce), ela completou as modalidades de mestrado e doutorado em Matemática no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos.
Seu doutorado contou com um período sanduíche em Vancouver, no Canadá. Além disso, Juliana acumulou três pós-doutorados, um no ICMC e os outros dois em Montreal e Winnipeg, todos com bolsas de auxílio à pesquisa.
Em novembro, Juliana completará oito anos na UFAL, onde é vice-diretora do IM desde 2017 e uma das principais vozes do incentivo e estímulo às mulheres na ciência.
No fim de agosto, a paulista agora se tornou oficialmente uma cidadã da capital alagoana. Juliana recebeu o título de Cidadã Honorária, concedido pela Câmara Municipal de Maceió. O projeto ‘Mulheres na Ciência’ recebeu a Comenda Senador Aurélio Viana, conferida a personalidades, entidades e instituições nacionais e locais que tenham prestado relevantes serviços na área de educação e conhecimento em prol do município de Maceió.