Em homenagem ao Dia Internacional das Mulheres na Matemática, a SBM destaca a história de professora no RJ que persegue a equidade de gênero para guiar a nova geração feminina na área
Em 2024, o 12 de Maio, Dia Internacional das Mulheres na Matemática, coincidirá com o Dia das Mães no Brasil. Por isso, a Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) apresenta o perfil de uma professora de 45 anos que tanto lutou para ir longe no âmbito acadêmico.
Hoje, vamos destacar a história de Greice Lacerda. A matemática é integrante do grupo Matemáticas Negras e exerce a função de professora na Rede Estadual de Ensino no Rio de Janeiro, além de contribuir com aulas de graduação na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
INFÂNCIA
Greice Lacerda nasceu no distrito de Itambi, em Itaboraí, na região metropolitana do Rio de Janeiro, em 8 de maio de 1979. Sua juventude foi marcada pelo convívio frequente na casa dos avós, já que perdeu o pai muito cedo em um acidente elétrico.
Como a mãe trabalhava como doméstica, Greice foi criada em meio aos livros que sua avó trazia da escola primária da qual era proprietária. Foi onde a jovem fluminense começou a ser alfabetizada.
Sua mãe, eventualmente, também presenteava Greice e seus irmãos com materiais doados nas casas de família onde trabalhava. “Foi essa a época em que comecei a pegar gosto de estudar. Eu via minha avó e minha tia como professoras. Então veio o pensamento: ‘Pô, de repente seria legal ser professora’”, conta.
Pouco tempo depois, a mãe largou a rotina como doméstica e voltou para casa a fim de fazer artesanato. Uma forma também de ser mais presente com os filhos e, então, a família ficaria toda reunida na casa da avó materna de Greice. E os livros que trouxe das residências onde trabalhava fez um bem danado para a menina.
“Minha mãe não deixava a gente sair para brincar na rua. Então, a gente ajudava em casa e foi quando peguei os livros que ela nos trouxe e comecei a estudar. Eu sempre me interessei em aprender coisas novas”, complementa.
PRIMEIRO ESTALO POR MATEMÁTICA
O apego pela Matemática surgiu anos mais tarde, mais especificamente no 5⁰ Ano do Ensino Fundamental. Foi o período em que Greice teve contato com um professor para lá de especial em sua trajetória.
“O professor Jorge Almeida, muito conhecido aqui na região, ensinava Matemática de três formas diferentes. Vai fazer uma equação? Três formas diferentes. E eu aprendi as três, tanto que nas provas eu fazia cada exercício de uma forma diferente. Então, fui percebendo a facilidade que tinha em aprender Matemática. E foi nesse momento em que me deu um estalo de que poderia ser uma professora de Matemática”, explica.
Só que a decisão ainda não havia sido tomada. Afinal, Greice só tinha 11 anos e também externava habilidades com artesanato, por influência da mãe. A dona da casa sonhava em ver a filha se aventurar para a área artística.
Entretanto, o fim do Ensino Fundamental foi importante para absorver mais o conteúdo da escola, o que ajudou Greice a ser selecionada em um Curso de Formação de Professores. O Ensino Médio, assim como todo seu período escolar, também foi percorrido na rede pública de ensino.
A primeira experiência no vestibular, em 1997, não traz boas recordações. “Zerei em Matemática. O primeiro vestibular deu aquela desanimada, né”, brinca. No ano seguinte, ela estudou em casa e sua preparação se mostrou bem mais certeira.
TRAJETÓRIA ACADÊMICA
Greice foi aprovada no curso de Graduação em Matemática pela Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FFP/UERJ), onde se formou em 2007. No ano seguinte, passou em um concurso e é, até hoje, contratada como professora de Matemática e Física na Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro.
De 2016 a 2018, completou seu Mestrado em Ensino das Ciências na Educação Básica pela Universidade do Grande Rio (UNIGRANRIO), emendando o Doutorado em Educação pela Universidade Estácio de Sá, em 2023. Atualmente, a matemática fluminense está terminando seu Doutorado em Ensino da Matemática pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Ela também tem o gostinho de atualmente dar aulas, como professora substituta, no curso de Matemática da UERJ. “São muitas emoções. Estou lá desde março e tem sido uma surpresa muito agradável. Saí como aluna e voltei como professora na UERJ”, relata.
LUTA POR IGUALDADE
Sua entrada para o grupo Matemáticas Negras ocorreu por meio de um convite da professora Priscila Pereira, da Universidade de Illinois, nos EUA, que pesquisava sobre Mulheres Negras para sua tese de Doutorado.
Sem nunca ter sido contatada para participar de nenhum grupo com tal proposta, Greice iniciou sua participação no fim de 2023. Ela aprova a iniciativa que dá voz a um grupo minoritário com cada vez mais representatividade dentro da academia.
A matemática até faz um exercício de comparação em relação ao período em que era universitária. “Quando eu entrei para a faculdade, a representação de alunas negras em Matemática era pouca. Éramos cinco meninas no curso. Apesar de ter tido excelentes professores e professoras como referência em minha formação, eu não tive uma professora negra de matemática. Passando pelas especializações, mestrado e doutorado, seguia sem ter professores negros. Foi muito difícil para mim, como mulher negra na Matemática, encontrar um referencial para me identificar”, conta.
Para Greice, o trabalho do grupo Matemáticas Negras é importantíssimo para servir de exemplo às meninas que iniciam os passos na área. Já passou da hora de o mundo acadêmico e científico olhar para as pesquisadoras sob um aspecto mais igualitário.
“Eu considero a iniciativa de discutir a representatividade da mulher negra na Matemática muito importante para a nova geração de meninas que entram no curso. Para terem alguém em que possam se espelhar, se identificar como mulheres matemáticas negras. Estamos ali, de certa forma, para abrir o caminho a elas e romper com esse pré conceito de que Matemática é feita somente para homens, que só homens conseguem apreciar a beleza de um teorema bem demonstrado. Nós também conseguimos e nossa história não pode ser apagada”, defende.
PODER DA MULHER MATEMÁTICA E MÃE
Na atualidade, a fluminense é casada e tem dois filhos em Itaboraí. E o fato de o Dia Internacional da Mulher na Matemática cair justamente no domingo do Dia das Mães deve ser um momento de reflexão, opina Greice.
Ela lembra o quanto a maternidade mexe com o aspecto psicológico e profissional da mulher. E se Greice fez inúmeros sacrifícios no início de sua trajetória acadêmica, a realidade não muda após se tornar mãe, o que valoriza ainda mais a trajetória das pesquisadoras e docentes na área.
“Como mãe, como mulher, como professora, nós assumimos muitas responsabilidades dentro da sociedade. E sempre existe aquele medo de não darmos conta. E quando somos mães, a gente quer dar o nosso melhor para nossos filhos e, muitas vezes, isso entra em conflito com nossa profissão. A gente acaba se cobrando muito dentro de casa, se martiriza muito, porque temos que entender que não vamos dar conta de tudo. Somos humanas. Por isso, essa data é importante ser comentada para que outras mulheres entendam que nosso lugar é onde quisermos. Com persistência, a gente consegue vencer toda a dificuldade. Na Matemática, temos que exercer nosso direito e podemos, sim, ocupar esse espaço que também é nosso”, conclui.
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