Crísia Ramos de Oliveira: a importância do 12 de Maio para as matemáticas brasileiras

SBM inicia série de homenagens ao Dia Internacional das Mulheres na Matemática com o perfil de aluna da UFF que já luta por equidade na área há algum tempo 

Na próxima semana, mais precisamente em 12/05, será comemorado mais um Dia Internacional das Mulheres na Matemática. A definição da data remonta a 2018, durante o 1º Encontro Mundial para Mulheres na área, no Rio de Janeiro. O evento reuniu centenas de pesquisadoras para debater, dentre tantas pautas, a igualdade de gênero na Ciência.

O dia 12 de Maio, que, coincidentemente, será em 2024 o domingo do Dia das Mães no Brasil, também representa o nascimento de Maryam Mirzakhani, única mulher a receber a Medalha Fields, maior honraria na área de Matemática. Por isso, desde sua instituição, o objetivo da data é fortalecer a luta pela equidade e maior participação feminina no universo científico. 

Por aqui, a Sociedade Brasileira de Matemática (SBM), a fim de manter a bandeira de pé, criou a Comissão de Gênero e Diversidade em parceria com a Sociedade Brasileira de Matemática Aplicada e Computacional (SBMAC). A missão é propor e divulgar iniciativas que estimulem a redução da diferença de gênero e que aumentem a diversidade entre as pessoas que atuam na área de Matemática no país. 

Crísia Ramos de Oliveira é aluna de Doutorado em Matemática na UFF – Foto: Arquivo Pessoal

E para celebrar a participação mundial das mulheres na Matemática, a SBM apresenta hoje a fluminense Crísia Ramos de Oliveira. Ela é integrante da primeira turma do grupo Matemáticas Negras e atualmente é aluna de doutorado na Universidade Federal Fluminense (UFF), no campus Gragoatá, em Niterói. 

ORIGEM

Foi na mesma ‘Cidade Sorriso’ onde a matemática nasceu em 17 de abril de 1990. Só que o apego pela área de Ciências Exatas não veio tão facilmente. A princípio, Crísia pensava em passar bem distante do que viria a ser anos mais tarde a sua especialidade. 

“Eu tive dificuldades com Matemática no início dos estudos. Eu só fui começar a ter uma motivação para aprender Matemática mesmo no 6º ano do Ensino Fundamental. Quando eu estava no 9º ano, eu tinha interesse em fazer Biologia. Na época, a gente ainda cursava Ciências”, recorda. 

Durante o Ensino Médio, a carioca entrou em uma das melhores escolas públicas de Niterói e usufruiu de ótima base para conquistar a vaga em uma faculdade de ponta. “Da minha família, só o meu tio mais velho tinha Ensino Superior. Ele chegou até o Mestrado. Ele é professor de Língua Portuguesa. Mas nunca conversamos a respeito de eu seguir para uma faculdade. Eu tive esse interesse de forma independente”, completa Crísia. 

Só que, no 3⁰ Ano do Ensino Médio, a carioca foi estimulada a trocar sua vocação.

“Esse professor chamado Marcos Paulo começou a dizer que eu tinha que fazer Matemática, porque eu era muito boa, tinha facilidade de fazer as contas direitinho, de interpretação, e começou a me motivar. Quando falei que queria fazer Biologia, ele riu da minha cara. Por incrível que pareça, eu não era boa em Biologia. Tirava nota ruim, tinha dificuldade em alcançar uma nota boa, mas eu tinha um certo crush pela área”, conta. 

DE BIOLOGIA PARA MATEMÁTICA

Foram dois anos de vestibular em que a carioca prestou para Biologia. Sem êxito. Em 2009, todavia, Crísia lembrou do papo na sala de aula com seu professor e trocou sua primeira opção. Com 19 anos, ela foi aprovada no curso de Licenciatura em Matemática pela UFF, o que foi um sonho pessoal. 

“Meu pai  faleceu em 2017 e ele não era uma pessoa com grau de instrução, não tinha estudo. Ele era funcionário administrativo da UFF e sonhava que eu estudasse lá. Quando passei no vestibular, fui aprovada também na UERJ e tinha nota do Enem para ir para a UNIRIO. Eu escolhi a UFF, pois era um sonho dele”, revela a doutoranda, que foi acompanhada posteriormente pela mãe, aprovada em Pedagogia na instituição. 

No fim do primeiro semestre de 2011 e em meio à adaptação na UFF, a carioca foi selecionada para estudar na Universidade de Coimbra, em Portugal, por dois anos. Era a oportunidade de conquistar um segundo diploma de graduação na área e, obviamente, conhecer o ambiente acadêmico no exterior. 

“Foram dois anos incríveis que me agregaram muito. Conheci pessoas maravilhosas na universidade. Tive dificuldades, sim, porque era uma outra realidade, uma outra cultura, um outro lugar, eram outras pessoas. Eu estava longe de casa, e isso tudo a gente sabe que mexe um pouco com o nosso emocional”, pondera. 

Ao retornar ao Brasil, Crísia prosseguiu sua graduação na UFF até se formar em 2014. Em seguida, por conselhos de colegas da graduação em Coimbra, a matemática resolveu mudar de ares. Deixou a Cidade Maravilhosa e seguiu para Salvador, onde fez seu Mestrado na Universidade Federal da Bahia (UFBA). 

Crísia é da primeira turma do grupo Matemáticas Negras – Foto: Arquivo Pessoal

“Foi um período em que também precisei me adaptar a uma nova cultura. No começo, me senti um pouco deslocada. E durante esse período, eu perdi meu pai. Foi um baque saber que terminaria o Mestrado e ele não estaria mais aqui para me receber”, relata Crísia, que se tornou mestre em Matemática em 2018, com ênfase em Geometria Diferencial. 

Atualmente, ela está finalizando seu Doutorado em Matemática pela UFF e tem a pretensão de se tornar professora universitária. A pesquisa também é uma atividade que a fascina, e, por isso, ela já faz planos para conciliar suas atividades. 

“Gosto muito de ensinar. Eu fiz muitos estágios de docente no meu período de Doutorado, então isso abriu muito minha cabeça para ser uma professora de Ensino Superior. Quero também pesquisar nessa área de Geometria Diferencial, que, para mim, é um ramo muito lindo da Matemática”, projeta. 

LUTA PELA IGUALDADE

Pela experiência na UFBA, Crísia foi convidada a participar do grupo Matemáticas Negras pela professora Manuela da Silva Souza, que também integra hoje a Comissão de Relações Étnico Raciais (CRER) da SBM. A experiência tem sido satisfatória por aproximar as aspirações dos membros de um grupo minoritário que tenta ganhar mais notoriedade no cenário nacional. 

“Esse grupo é muito importante, porque tem permitido trocas de experiências e a entrada de novas meninas de vários locais do Brasil. Então, uma acaba ajudando a outra. Para mim, esse grupo é fundamental porque recarrega essa energia na luta pela igualdade e nos faz acreditar que, sim, é possível fazer a diferença por uma realidade mais justa”, opina. 

Na visão pesquisadora de 34 anos, o Dia Internacional das Mulheres na Matemática é um feito que não pode permanecer apenas nas datas do calendário. Crísia entende que tal bandeira representa sinal de resistência para que muitas alunas e/ou professoras acreditem que suas aspirações serão ouvidas no ambiente acadêmico.

“É mais do que evidente a limitação que temos de acesso às oportunidades. Se a gente não se apoiar, não começar a agir, as mudanças que gostaríamos não vão acontecer. O 12 de Maio é uma data importante que foi criada, porque foi um momento inicial que percebemos que era necessário ter uma voz. Nós temos sonhos, projetos, objetivos. Foi um bom começo e a gente espera que isso não se limite a apenas uma data”, prega.

“É muito bom termos uma data para comemorarmos nossa resistência, nosso direito, mas essa data tem que servir de inspiração. Ela tem que ser somente o começo do processo para ganharmos o espaço devidamente merecido no meio acadêmico, que ainda está muito ofuscado”, finaliza Crísia.