Com primeiro lugar histórico, a equipe brasileira conquistou número recorde de medalhas de ouro
Pela primeira vez na história, o Brasil alcançou a primeira colocação no ranking geral da Pan-American Girls’ Mathematical Olympiad (PAGMO). A equipe brasileira, composta por quatro estudantes lideradas por uma professora, trouxe ao país quatro medalhas, incluindo três de ouro – recorde para o país.
De São Paulo, as estudantes Sophia Li Ci Liu e Camila Maeda Shida conquistaram medalhas de ouro, enquanto Julia Galdino Tiosso Lopez garantiu a medalha de prata. Já Julia de Paula Pessoa Leguiza, do Ceará, brilhou ao levar o ouro e o título de melhor desempenho de toda a competição.
“O resultado foi muito gratificante, e subir ao lugar mais alto do pódio, ao lado de mais duas brasileiras, tornou esse momento ainda mais especial para mim”, celebrou a estudante de destaque da competição.
A quarta edição do evento foi realizada em Durango, no México, entre os dias 24 e 30 de novembro deste ano. A equipe brasileira contou com a liderança da professora Ana Paula Chaves, professora do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da Universidade Federal de Goiás (UFG), responsável por parte do treinamento e por acompanhar as adolescentes na competição.
Para representar o Brasil no torneio, as quatro estudantes enfrentaram um rigoroso processo seletivo. A professora da UFG explica que as participantes já haviam sido premiadas em eventos promovidos pela Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) e pela Associação Olimpíada Brasileira de Matemática (AOBM), como as Olimpíadas Nacionais de Matemática, as Olimpíadas Femininas de Matemática e o Torneio Meninas na Matemática (TM²), que conta com o apoio da Sociedade Brasileira de Matemática (SBM).
“Essas meninas passaram por um processo seletivo dentro de um universo de centenas de candidatas. De acordo com seus rendimentos nas provas, conseguimos ranqueá-las e montar esse time incrível”, detalhou a professora.
A trajetória de uma medalhista de ouro
Outro feito inédito foi a conquista de mais de uma medalha de ouro na mesma edição da competição. “Elas triplicaram o melhor resultado que tínhamos até então”, destacou Ana Paula.
A medalhista de ouro e melhor ranqueada na competição, Julia Leguiza, relembra como descobriu seu interesse pela matemática aos 12 anos, enquanto se preparava para tentar uma vaga no Colégio Militar de Fortaleza. “Após dois anos de estudo, consegui ser admitida, e foi lá que conheci outras olimpíadas”, contou a estudante. Apaixonada por competições, Julia já está participando de outro evento internacional: a Olimpíada Matemática Rioplatense (OMR), realizada na Argentina.
Hoje, com 15 anos e aluna do 9º ano do Colégio Farias Brito, em Fortaleza, Julia transforma seu amor pelas competições em combustível para manter os estudos como parte natural de sua rotina. Ela adota uma abordagem equilibrada, reservando os finais de semana para atividades de lazer, como andar de patins e ir ao cinema, e aproveita os momentos de estudo ao som de uma boa música.
“Tento manter consistência durante a semana, mas tem dias que estudo mais e outros que estudo menos”, diz Julia, demonstrando que o segredo para o sucesso está no equilíbrio.
Além de sua dedicação diária, a estudante também desenvolveu estratégias para enfrentar desafios: confiar no conhecimento adquirido e seguir em frente com determinação. Durante a PAGMO, por exemplo, ela relembra como lidou com o terceiro problema, que inicialmente gerou algumas dúvidas. “Comecei a resolver com algumas incertezas, mas, durante o processo, tive uma ideia final que concluiu a solução”, conta a competidora.
Entre desafios e conquistas, Julia faz questão de destacar a importância do trabalho da professora Ana Paula Chaves, que, segundo ela, teve um papel essencial desde os treinamentos até a competição.
“No torneio, a Ana Paula defendeu meus pontos e não deixou nenhuma dúvida para outro líder contestar”, elogia Julia, ressaltando a dedicação e o apoio da líder na busca pelo melhor desempenho da equipe.
O peso do gênero na equação
De acordo com um relatório da Unicef de 2022, meninos têm 1,3 vezes mais chances de desenvolver boas habilidades matemáticas. A instituição aponta que essa disparidade é causada por discriminação e estereótipos baseados em normas de gênero.
A professora Ana Paula observa essa diferença em competições como as Olimpíadas Internacionais de Matemática, especialmente entre estudantes a partir do 8º ano. Para ela, eventos como a PAGMO são fundamentais para corrigir esse cenário e preparar meninas para competir em nível mundial.
“Já estamos observando meninas chegando muito bem nesse nível mais avançado. Ou seja, conquistando medalhas de nível três, que é o mais alto”, comemora Ana, destacando o impacto positivo dessas iniciativas.
A PAGMO é organizada desde 2021 e, devido à pandemia, nos dois primeiros anos ocorreu no formato online. Neste ano, foi a segunda vez que o evento foi realizado de forma presencial, seguindo o mesmo formato da Olimpíada Internacional de Matemática: dois dias de provas, com duração de 4h30 cada, e três problemas a serem resolvidos em cada dia.
Apesar da história recente da PAGMO, a discente ressalta o crescimento da visibilidade da competição, impulsionado pelo apoio de patrocinadores, como o BTG Pactual, além das divulgações nas redes sociais. Esse aumento de visibilidade tem um impacto direto na dedicação das meninas.
“É um privilégio muito grande poder fazer parte desse time de mulheres que está fomentando mais mulheres. Agora, além de chegar lá, elas podem sonhar em representar o Brasil nas competições mistas”, vislumbra, destacando a importância de abrir novas possibilidades para as participantes.
Para Julia, é claro o papel da PAGMO em incentivar meninas a se dedicarem à matemática. A estudante reconhece o cenário desigual em relação ao gênero, mas se recusa a deixar que isso a desanime. Sempre que possível, ela também participa de competições mistas.
“Se há mais meninos em disputa, isso não significa que eles sejam melhores que as meninas em matemática. Adoro a comunidade olímpica e, por mais que haja mais garotos, eles nunca me fizeram sentir isolada. Me divirto muito com meus amigos e sou grata a todos os momentos”, conta Julia, relembrando suas participações em competições internacionais mistas, como a OMR e a Olimpíada de Matemática da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Um futuro promissor
Com tantos motivos para comemorar, os planos dessas meninas e mulheres são ambiciosos. “O que essas competições femininas estão fazendo é fomentar para que as meninas não parem”, define Ana Paula. Ela acredita que, com o tempo, esse trabalho de impulsionar individualmente as meninas não será mais necessário, pois elas já estarão no caminho certo para conquistar ainda mais espaços na matemática.
Independente de uma nova realidade no futuro, a PAGMO já transformou a vida de Julia no presente. Ainda em dúvida sobre qual caminho seguir em sua carreira — entre engenharia aeroespacial, neurociência ou até matemática pura — Julia sabe que será sua dedicação no presente que a levará longe.
“Eu penso em estudar nos Estados Unidos e fazer dupla diplomação, ou ir para o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). E, sobre as olimpíadas, estou estudando para entrar na equipe do Brasil na European Girls’ Mathematical Olympiad (EGMO), na Olimpíada de Matemática do Cone Sul e na International Mathematical Olympiad (IMO)”, prevê Julia.
Seja para sonhar com estudos fora do país, ganhar competições locais ou internacionais, a expectativa de Ana Paula e Julia é de que o resultado histórico da equipe brasileira seja apenas o início de um novo capítulo para as meninas brasileiras que desejam seguir carreira na matemática.
“Acredito que a nossa conquista pode motivar ainda mais garotas a se dedicarem à matemática e transmitir a mensagem de ‘você também consegue’ com a medalha de ouro”, finaliza a aluna, destacando o poder da vitória para inspirar futuras gerações.