Comissão Étnico-Racial da SBM apresenta desafios para biênio 2023-24 e planeja renovação gradual dos membros

Ideia é que a composição siga com seis professores à frente do grupo, mas desde que, pelo menos, 50% seja formada por mulheres negras. Objetivos da CRER foram apresentados para a comunidade de maneira a garantir o aumento da representatividade de minorias na área

Uma das grandes realizações da Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) neste primeiro semestre de 2023 foi a oficialização da criação da Comissão de Relações Étnico-Raciais (CRER). Composta por seis membros, sendo quatro mulheres negras de maciça representatividade regional no segmento, o grupo tem por objetivo promover a discussão e o desenvolvimento de ações da diversidade e do aumento da participação de grupos sub-representados na comunidade acadêmica.

A composição original da CRER conta com os professores Manuela Souza, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Janice Pereira Lopes, da Universidade Federal de Goiás, (UFG), Simone Leal, da Universidade Federal do Amapá, (UNIFAP), Nivaldo Grulha, da Universidade de São Paulo (USP), Marcela Duarte Ferrari, da Universidade Estadual de Maringá (UEM), e Aldo Trajano Lourêdo, da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).

Foto: Divulgação/SBM – Marcela Duarte Ferrari

No fim de maio, a SBM promoveu, em seu canal oficial do YouTube, uma live de apresentação da CRER. Como parte da proposta inicial, a Comissão é composta por integrantes que trazem uma vasta experiência e conhecimento tanto no ramo acadêmico como na luta contra o preconceito racial na matemática. A ideia também abrange a regionalidade, de maneira que cada membro reúna questões específicas sobre o racismo combatido em sua localidade no Brasil. 

Foto: Divulgação/SBM – Manuela Souza

Manuela Souza lembra que a luta pela participação de negros e do público feminino na área acadêmica não teve origem somente agora, mas remonta a anos de discussões dentro da matemática. “A CRER é um reflexo de várias lutas que aconteceram e que continuam ocorrendo. É uma articulação organizada de mulheres negras dentro da matemática desde 2018. Por exemplo, eu fui a primeira mulher negra a compor a Comissão de Gênero e Diversidade da SBM/SBMAC, que surgiu entre 2018 e 2019, e isso já foi um reflexo da luta coletiva. Com isso, o processo de representatividade só foi aumentando”, aponta. 

REPRESENTATIVIDADE

A maior representatividade de negros se tornou um ponto de referência dentro da área acadêmica e nem mesmo a pandemia freou a resistência. “Em 2021, tivemos o primeiro Encontro Nacional de Negros da Matemática, um evento totalmente on-line, que reuniu mais de 200 participantes. Percebemos que, naquele momento, já existia essa demanda e a Sociedade entendeu que, de fato, era necessário trazer essa reflexão de representatividade para uma esfera mais ampla”, completa a pesquisadora da UFBA. 

Foto: Divulgação/SBM – Nivaldo Grulha

Seu companheiro na Comissão, Nivaldo Grulha, destaca a importância da realização de iniciativas para que estudantes e docentes negros se sintam representados e que possam dar prosseguimento à conquista de igualdade de direitos na área. 

“Em vários eventos, reuniões e linhas de pesquisa, nós somos minoria e há uma necessidade de construirmos redes para que estejamos unidos a outras pessoas que passam pelas mesmas situações para reforçar um apoio mútuo. Essas redes desenvolvem várias ações que fortalecem o grupo e, assim, nós nos sentimos pertencentes a um lugar, a uma causa. É uma iniciativa importante, mostrar que nós existimos e que essas pessoas fazem parte dessa rede”, explica o docente da USP.

Foto: Divulgação/SBM – Simone Leal

Os principais desafios da CRER nos próximos meses envolvem a maneira de colocar em prática todos os anseios do grupo. Alterar a estrutura, obviamente, não se trata de uma tarefa simples. “Em nossas reuniões, está claro que nossa proposta é construir ações concretas e conjuntas que resultem, de fato, em uma mudança no posicionamento, como, por exemplo assumir e encarar editais e ações para o público que a gente se propõe a defender”, cita Simone Leal, professora da UNIFAP. 

Professora na UFG, Janice Pereira Lopes alerta para a tarefa mais primordial do grupo neste início de ciclo: priorizar as lutas que serão “abraçadas”. A ideia é criar condições de inserção das minorias no meio acadêmico e não se isentar diante de demandas de outros grupos étnicos. 

Foto: Divulgação/SBM – Janice Pereira Lopes

“É preciso criar condições de manutenção, de visibilidade, de representatividade e respeito pelas produções e pelo trabalho que esses grupos desenvolvem. Sabemos a dor de ser quem somos em espaços majoritariamente brancos. Necessitamos pensar em propostas de atuação em editais, financiamento para ações e projetos que acolham questões raciais, para negros e/ou indigenas no universo da matemática. Tenho convicção de que esse grupo tem a vontade e a garra necessárias para lutar por tais objetivos. Reflexo disso são nossas reuniões, nas quais tem sido desafiador o número de propostas que desejamos pôr em prática, na expectativa de que alcancem quem está dentro da academia e estimulem quem está fora, mas tem desejo de ingressar”, diz Janice.

RENOVAÇÃO DE SUA COMPOSIÇÃO

Ainda não há um regimento definitivo, mas a Comissão prevê uma renovação de metade de seus membros a cada dois anos. “Precisamos ouvir a comunidade e seus anseios, pois vamos representar parte de um todo e tentamos manter a origem histórica do grupo. O intuito é organizarmos nossas ações para pavimentar o caminho das próximas gerações. Queremos ouvir o maior número de pessoas para discutir como estruturar esse regimento, porque os desafios são vastos”, explica Aldo Trajano Lourêdo, docente da UEPB. 

Foto: Divulgação/SBM – Aldo Trajando Lourêdo

Uma das exigências, todavia, é que a Comissão tenha, pelo menos, 50% dos membros formados por mulheres negras. “A gente vê a importância de sermos liderados e ter essa presença majoritariamente feminina, de mulheres negras em movimento. Isso deve ser visto não como uma imposição, mas como parte de reconhecimento e de apoio”, defende Grulha. 

Manuela Souza se atenta também à particularidade de a CRER atender a todas as regiões do Brasil para que as bandeiras levantadas pelo grupo alcancem uma maior parte da população na área acadêmica. “A atual composição da Comissão respeita o fato de vivermos em um país de dimensões continentais. Temos a representatividade regional e outras interseccionalidades que aparecerão ao longo do tempo. Tentaremos contemplar os novos grupos que vão ocupar esse espaço, para refletir as diferentes demandas e interseccionalidades que vão estar em movimento contínuo”. 

Janice, por sua vez, defende que as regulamentações da CRER são responsabilidades das gerações futuras que venham a tomar posse como parte de um legado dos atuais membros do grupo. “Criar regras para um processo que sonhamos que seja contínuo é um grande desafio. Creio que vai nascer um regimento mais elaborado, talvez, numa próxima comissão. Pode ser que esse seja um importante legado dessa atual composição da comissão. A partir desse processo histórico, vamos construir alguns caminhos e estratégias para que essa comissão traga todas as contribuições que almejamos”, explana. 

LOGOMARCA

Passar o bastão para profissionais tão ou mais capacitados pela luta igualitária é um estímulo que atinge até a criação da logomarca da Comissão. A ideia inicial foi proposta por Grulha e visa representar a importância das diferentes gerações que trouxeram o tema da representatividade racial à tona na SBM. 

“Estava criando o nosso e-mail quando, do nada, percebi que o acróstico CRER tem a ver com a ação de lutar por algo que acreditamos. Sugeri exatamente o pássaro sankofa, que tem a característica de voar para frente, mas com a cabeça virada para trás. Para a gente, ele carrega o ar da ancestralidade”, lembra Nivaldo sobre a identidade visual do acróstico da Comissão. 

Com isso, o professor da USP passou a ideia para Janice, que acionou a equipe de design do Centro Integrado de Aprendizagem em Rede (CIAR), da UFG, para construir o projeto visual da Comissão. “A nossa proposta da logomarca foi enxergar a luta das pessoas que vieram antes, então a logo carrega essa temporalidade do passado, do presente e do futuro. Estamos aqui pela luta das pessoas que vieram antes de nós, por isso precisamos aprender com elas para seguir evoluindo. E o pássaro na identidade visual reúne toda essa ideia”, conclui Grulha.