Coluna: Profmat: para além das contas – Noticiário SBM – Out/2024

Atenção, professores temporários: mestrado com bolsa no Profmat

Fábio Xavier Penna  (fabio.penna@unirio.br)

A Portaria 207 de 04 de julho de 2024, que já foi assunto nesta coluna no Noticiário de agosto deste ano, estabelece no seu artigo 21 que “serão admitidos para o recebimento de bolsas os discentes na condição de professores regentes de classe das redes públicas da Educação Básica”. Isto significa que os professores temporários, terceirizados ou contratados via CLT que estejam efetivamente atuando em sala de aula nas redes públicas da Educação Básica poderão receber bolsa de estudo. Este é um avanço importante trazido pela nova portaria, visto que antes dela apenas docentes do quadro permanente da rede pública de ensino eram elegíveis à bolsa. Com a nova regulamentação o Profmat se torna uma oportunidade de aperfeiçoamento profissional e aumento da renda para os docentes temporários e a expectativa é de aumento da procura do programa por parte destes profissionais. Algumas questões se colocam. Quanto a procura pode aumentar? Vale a pena trocar um contrato temporário por uma vaga com bolsa no Profmat? Qual o impacto profissional do curso na vida de tais docentes?

Em abril deste ano a organização não governamental Todos pela Educação publicou o estudo Professores temporários nas redes estaduais do Brasil. O trabalho mostra a evolução do número de professores temporários nas redes públicas estaduais de ensino, analisa o perfil de tais professores e discute aspectos dos processos seletivos e dos contratos de trabalho. De acordo com o estudo, entre 2020 e 2023 houve um aumento de quase 30 mil docentes no número total de professores nas redes estaduais. Este crescimento ocorreu principalmente pelo aumento das contratações de temporários. Nesse período, a quantidade de professores temporários cresceu 41%, enquanto o quadro efetivo teve uma queda de 17%. Devido a esses movimentos em sentidos opostos, em 2022 a quantidade de professores temporários das redes estaduais superou a de efetivos, o que nunca havia ocorrido. Com relação ao perfil desses professores, a média de idade passou de 36 anos em 2011 para 40 anos em 2020 e 43,6% deles atuam há pelo menos 11 anos como professores. Segundo o estudo, isso indica que os contratos temporários estão sendo utilizados para compor o corpo docente fixo de profissionais do magistério que trabalham nas redes de ensino e não apenas para suprir uma demanda pontual ou emergencial. Quanto ao salário, a média nacional do valor recebido por um docente temporário, por hora, é de R$ 25,50, o que resulta num salário mensal de cerca de R$ 2.000,00 para um professor 20 horas. Já os contratos de trabalho, na maioria dos estados da federação, tem duração de 2 anos. O estudo mostra também que há 15 estados nos quais o salário dos professores temporários é menor que o de professores efetivos em início de carreira, chegando a uma diferença de 140% em Pernambuco, o estado de maior disparidade. Por fim, o estudo apresenta uma análise estatística que relaciona o tipo de contratação e a aprendizagem dos estudantes. A partir de dados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), identificou-se que, tanto para a disciplina de Língua Portuguesa quanto para Matemática, o fato de um estudante ter um professor temporário está associado a um desempenho menor na avaliação. Três pontos que podem explicar essa relação são: a alta rotatividade dos docentes temporários, que pode prejudicar o vínculo com a comunidade escolar e o efetivo desenvolvimento dos estudantes; os processos seletivos utilizados pelas redes de ensino na contratação de temporários, que em sua maioria não utilizam boas etapas de seleção; e as condições de trabalho dos professores temporários, que tendem a ser piores que a dos efetivos. A íntegra do estudo está disponível no site do Todos pela Educação: https://todospelaeducacao.org.br/.

Com a flexibilização presente no artigo 21 da Portaria 207, espera-se um aumento significativo no ingresso de professores temporários das redes públicas da Educação Básica no Profmat. Os números presentes no estudo do Todos pela Educação mostram uma grande quantidade de tais profissionais aptos a concorrerem à bolsa e o retorno financeiro é equivalente ao salário de um contrato de 20 horas. No Profmat há ainda a vantagem de que o professor estará se capacitando para assumir uma melhor e mais estável posição profissional futura, o que pode ser fundamental para superarmos este quadro no qual os docentes temporários são a maioria nas salas de aula das redes estaduais de ensino. Mas precisamos estar atentos! Para que o corpo docente fixo das escolas volte a ter maioria de professores efetivos não basta ampliar a oferta de pós-graduações aos temporários. Há questões políticas, econômicas e de planejamento essenciais nesse processo. Minas Gerais é uma das unidades federativas com maior dívida com a União. A dívida atual do estado cresceu mais de 1000% desde 1998, atingindo o valor de 165 bilhões de reais em 2023, sendo a terceira maior dívida do Brasil atrás apenas do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro. O atual governador do estado, Romeu Zema, assim como outros que o antecederam, recorreram à Assembleia Legislativa do estado, ao Congresso Nacional e ao STF em busca de uma solução para a crise financeira, sem sucesso. O estudo do Todos pela Educação mostra que a rede pública de ensino do estado de Minas Gerais é composta por apenas 19% de professores efetivos e surpreendentes 80% de temporários (e 1% de professores CLT). Considerado o período entre 2013 e 2023, o número de professores efetivos na rede estadual de MG reduziu em 77%, enquanto o de temporários aumentou em 570%. O caso de Minas Gerais, que soa como um projeto de gestão, é extremo, mas não uma exceção. De 2013 a 2023, 16 dos estados brasileiros (cerca de 60%) tiveram aumento no quadro de temporários e redução no quadro de efetivos. Precisamos lembrar aos nossos governantes e demais entes federados a famosa frase atribuída a Derek Bok, ex-presidente da Universidade de Harvard: “Se você acha a educação cara, experimente a ignorância e veja quanto ela custa”.