Edição inaugural realizada na UEM atraiu alunas, pesquisadoras e professoras de todo o Brasil para a discussão da questão de gênero nas áreas STEM e a maior inclusão da parcela feminina na área
Na maioria dos casos, a primeira edição de um evento é a mais desafiadora. Afinal, não há parâmetros ou modelos a serem usados como referência. Tudo precisa ser construído do zero e, quando se fala de expectativas então, é muito complicado controlar a ansiedade. Mas a Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) e a Universidade Estadual de Maringá (UEM) souberam superar todos os paradigmas.
A instituição em Maringá, cidade ao norte do Paraná, recebeu o I Workshop da SBM de Mulheres na Matemática, realizado de 2 a 4 de outubro, que contou com elevada adesão de pesquisadoras e profissionais da Matemática de todas as regiões do Brasil. O evento, promovido pela SBM, contou com a presidente Jaqueline Mesquita para prestigiar a primeira edição de uma iniciativa que ela mesmo idealizou quando fazia parte da diretoria.
A programação, preparada minuciosamente pela SBM e pelo Comitê Organizador Local, reuniu várias atividades como plenárias, mesas-redondas, rodas de conversa, sessões temáticas, sessão de pôsteres e autógrafos, oficinas e minicursos voltados para os temas mais atuais de Matemática e áreas correlatas. Além disso, as mesas e rodas de conversa estimularam as discussões para fortalecer a igualdade de gênero e aumentar a representatividade feminina nas áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM, sigla em inglês), cujo ambiente ainda é majoritariamente masculino.
Entre as várias iniciativas apresentadas no evento, destaque para a comemoração dos 80 anos da cientista Keti Tenenblat. A pesquisadora, que nasceu na Turquia e vive no Brasil desde 1957, é referência mundial na área de Geometria e possui importância fundamental para o desenvolvimento da Matemática no país. Ela presidiu, por exemplo, a SBM de 1989 a 1991, sendo a primeira mulher a ocupar tal cargo da entidade.
A pluralidade de atividades do I Workshop da SBM de Mulheres na Matemática possibilitou também a realização de premiações e encontros de grupos de discussão entre mulheres. A SBM, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) anunciaram as laureadas do prêmio “Elas na Matemática”.
Na categoria Jovem Cientista Destaque de Matemática do Brasil, a argentina Maria Soledad Aronna, docente da Escola de Matemática Aplicada da Fundação Getulio Vargas (FGV EMAp), foi a vencedora. Como Cientista Destaque de Matemática do Brasil, a paulista Maria José Pacífico, do Instituto de Matemática da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), recebeu a honraria. Finalmente, a também paulista Juliana Theodoro Lima, vice-diretora do Instituto de Matemática da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), recebeu o prêmio na categoria Faz a Diferença na Matemática.
Para a presidente Jaqueline Mesquita, a honraria é importante por dois aspectos: expor o trabalho de três célebres pesquisadoras que trabalham no Brasil e servir como modelo a jovens meninas que compareceram à UEM e têm sonhos de seguir na carreira acadêmica.
“O prêmio foi muito importante para dar mais visibilidade à Matemática que as mulheres estão desenvolvendo e suas ações nas instituições onde trabalham no país. Pudemos ouvir um pouco das trajetórias delas, que inspiram muitas alunas e servem de referências a elas no sentido de que é possível, sim, ter um futuro brilhante fazendo ciência sendo mulher”, reforçou a professora da Universidade de Brasília (UnB).
O sucesso do workshop foi tamanho que permitiu a realização in loco do 1º Encontro do Programa de Mentorias para Mulheres da SBM e Sociedade Brasileira de Física (SBF), que visa fornecer treinamento e orientação para jovens mulheres que estão no começo de suas carreiras em Ciências Exatas. Coordenadora do evento, a professora Valéria Cavalcanti reforçou que a adesão do público aos três dias de workshop excederam as expectativas da organização.
“O evento foi maravilhoso. Superou absolutamente as nossas expectativas e acho que de todos os participantes. Quando você organiza um evento desses, você organiza com todo o carinho e o feedback que recebemos tem sido muito gratificante para todos que trabalharam no evento. Nós realmente nos engajamos nesse projeto. Os temas abordados foram muito pertinentes. A Comissão de divulgação do evento realizou um trabalho excelente. Pelo que recebi de comentários, ninguém queria ir embora ao fim do evento. Acho que é um evento que veio para ficar e já temos pessoas interessadas em organizar a segunda edição”, comentou a professora do Departamento de Matemática da UEM.
Jaqueline esteve presente nas rodas de conversa com o intuito de entender as demandas dos grupos minoritários dentro da comunidade matemática brasileira. Para ela, foi vital compartilhar essa experiência para propor e discutir possíveis projetos que fortaleçam a maior pluralidade dentro da SBM.
“Para mim, foi muito importante que o Programa de Mentorias tivesse esse espaço, onde pude escutar o impacto dele na vida dessas meninas, trazendo a experiência para pensarmos coletivamente melhorias para essa iniciativa. Como espectadora, escutar as demandas do programa me deixou muito animada para montar uma reunião com as meninas para discutir mais concretamente sobre essas questões”, pontuou a presidente da SBM.
Um dos objetivos da organização era atrair, além de alunas, professoras e pesquisadoras que trabalham nas áreas STEM, o público masculino. Por mais que o número de homens ainda tenha sido tímido no workshop, Valéria ficou contente com a reflexão que recebeu de todos na saída do evento.
“Muitas pessoas vieram falar: ‘Valéria, eu saí totalmente diferente desse evento, muita coisa que eu pensava, com as quais eu tinha certas resistências, se desfizeram’. Homens, mulheres, jovens estudantes de graduação e pós-graduação, todas as pessoas foram impactadas com as discussões que ocorreram durante o evento. Foi maravilhoso. A participação masculina foi bem pequena, mas é tudo questão de tempo, de conversa e é para isso também que esses eventos ocorrem. Primeiramente, a gente precisa se unir, porque são tantas meninas maravilhosas que conseguiriam seguir carreiras belíssimas, mas, devido a alguns obstáculos que surgem, elas acabam desistindo. Muitas vezes, elas se esquecem o quão maravilhosas são e muitos são os fatores que as levam a encerrar a carreira prematuramente”, analisou a diretora da SBM.
Jaqueline Mesquita corrobora a visão de Valéria e crê que a primeira edição do workshop abrirá os horizontes de uma ala considerável da comunidade matemática no Brasil. Cada vez mais o evento será agregador e dará uma característica peculiar a cada ano.
“O evento foi magnífico, porque foi diferente de outros eventos de mulheres de que participei. Ele foi mais amplo e plural. Como presidente da SBM, pude ouvir os anseios e demandas da comunidade matemática. Em uma roda de conversa, ouvi vários pontos interessantes de grupos minoritários diversos, o desejo de melhorias, de condições de estar mais bem representados dentro da comunidade matemática brasileira. Saíram reflexões muito importantes que podem ser o ponto de partida para a criação de políticas públicas que aumentem a visibilidade e discussões, por exemplo, sobre questões raciais, regionais, questões de gênero e trans para dentro da SBM”, concluiu a presidente.
A ideia da SBM é que o workshop seja realizado anualmente de maneira itinerante, ou seja, em sedes diferentes. O tema já está em posse da diretoria da Sociedade que deve decidir em breve sobre a próxima edição.