Data reforça as lutas por maior espaço para as pesquisadoras brasileiras
Ao longo de toda a história da humanidade, as mulheres precisaram lutar, em diversos momentos, por seus direitos. Se hoje temos figuras femininas atuando em posições de destaque e protagonismo nas mais diversas áreas, muito disso é por todo o histórico de luta desempenhado por grandes mulheres. No mundo das ciências e da Matemática, isto não é diferente. E como toda bela trajetória vem acompanhada de ótimas histórias, três grandes exemplos de cientistas mulheres que desbravaram os árduos caminhos e conquistaram feitos incríveis são as matemáticas Celina de Figueiredo, Teresa Ludermir e Yoshiko Wakabayashi.
A história de Celina
Celina é bacharel e mestre em Matemática pela PUC-Rio, além de mestre em Matemática pela University of Manchester Institute of Science and Technology (UMIST) e doutora em Engenharia de Sistemas e Computação pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia (COPPE/UFRJ) – com período sanduíche na University of Waterloo, no Canadá. Fez carreira docente na UFRJ e desde 2011 é professora titular do Programa de Engenharia de Sistemas e Computação da COPPE, onde coordena o Núcleo de Excelência em Algoritmos Randomizados, Quânticos, e Aproximativos: Projeto, Análise e Implementação de Soluções Eficientes para Problemas Combinatórios Fundamentais.
“Tenho acompanhado com alegria o recente aumento da participação de mulheres dentro das várias atividades no dia-a-dia de trabalho. As mulheres têm aparecido com destaque como palestrantes convidadas em eventos e como editoras de periódicos, por exemplo. É uma inspiração ver o papel protagonista das mulheres matemáticas. Sempre busquei referências de mulheres no Brasil, na América Latina e internacionalmente, e costumava dizer que não queria mais saber da Marie Curie, embora já tenha lido muito sobre essa grande mulher cientista”, afirma Celina.
Segundo ela, sua intenção era buscar referências contemporâneas que ajudassem na reflexão sobre os desafios de hoje. “Um marco para mim foi o ICM 2018, quando o principal evento de Matemática foi no hemisfério sul e a Carolina Araújo organizou o primeiro World Meeting for Women in Mathematics (WM)². Poder conversar com mulheres do mundo todo sobre o dia-a-dia das mulheres matemáticas foi uma experiência reveladora”, celebra.
Além de professora, Celina é também pesquisadora na área de Ciência da Computação, com ênfase em Teoria da Computação, e lidera o grupo de algoritmos e combinatória da COPPE. Tem bolsa de produtividade em pesquisa do CNPq desde 1992, estando desde 2012 no nível 1A – o maior possível. Desde 2005, é Cientista do Nosso Estado FAPERJ e já foi condecorada com o Prêmio Giulio Massarani de Mérito Acadêmico da COPPE, assim como foi homenageada na solenidade comemorativa dos 50 anos do Instituto. No ano passado, foi eleita membro titular da Academia Brasileira de Ciências.
A professora ainda relata as vivências que teve para construir sua trajetória. “Enfrentei e enfrento desafios no meu meio, especialmente porque trabalho na COPPE, onde está a pós-graduação em Engenharia da UFRJ. Somos poucas mulheres, muito poucas. Temos inclusive um Grupo de Apoio à Mulher na COPPE para enfrentar os desafios de assédio, ainda comuns em um meio onde a grande maioria são homens. São 200 anos de Escola Politécnica da UFRJ, e só recentemente foi eleita a primeira diretora mulher. Quando assumiu, a diretora organizou o evento “Mais Mulheres na Engenharia: esse lugar também é meu”, com as presenças da também primeira diretora mulher da Poli-USP e da primeira reitora mulher da UFRJ. Histórico!”, comemora.
A história de Teresa
Outra incrível personagem é Teresa Ludermir, que é graduada e mestre em Ciência da Computação pela UFPE e doutora pela Imperial College of Science, Technology and Medicine na Universidade de Londres e pós-doutora pelo Kings College de Londres. É professora Titular de Inteligência Artificial do Centro de Informática da UFPE, membro da Ordem Nacional do Mérito Científico e membro sênior do Institute of Electrical and Electronics Engineers (IEEE) e da INNS, além de membro titular da Academia Pernambucana de Ciências e pesquisadora nível 1A do CNPq.
Ela conta um pouco sobre sua perspectiva diante da participação ativa das mulheres nas ciências exatas. “Estamos acompanhando o aumento, ainda pequeno, da participação das mulheres na Matemática. Essa diversidade de gênero, com um olhar diferenciado, contribui para mais avanços para a sociedade e para a Matemática. A diversidade de pensamento contribui para soluções inovadoras de vários problemas”, reflete.
Ao longo da sua trajetória, recebeu os Prêmios do Mérito Científico da Sociedade Brasileira de Computação e das Comissões Especiais de Redes Neurais e Inteligência Artificial. Sua principal área de interesse é a Inteligência Artificial, com ênfase em Redes Neurais e Aprendizado de Máquina. Tem participado ativamente da organização e de comitês de programas das principais conferências nacionais e internacionais em redes neurais e inteligência computacional, bem como de comitês editoriais de periódicos nacionais e internacionais do CNPq, CAPES, FINEP, FACEPE e de outras agências.
Diante de uma carreira tão extensa e vitoriosa, Teresa faz questão de destacar que ainda há uma predominância masculina, o que aumenta a quantidade de desafios enfrentados pelas mulheres. “De um modo geral, as mulheres cientistas na área de exatas enfrentam muitos desafios, uma vez que os ambientes de trabalho são predominantemente masculinos. Os nossos desafios vão da falta do reconhecimento das nossas capacidades profissionais, passando por assédio, até a falta de infraestrutura – como por exemplo banheiros femininos nos nossos locais de trabalho. Quando eu fazia doutorado no Imperial College, no prédio onde eu estudava, só tinha banheiros femininos em três dos 15 andares”, salienta.
A história de Yoshiko
Bolsista de produtividade em Pesquisa do CNPq do nível 1A, Yoshiko é graduada em Licenciatura em Matemática e mestre em Matemática Aplicada pela USP. Na Alemanha, concluiu seu doutorado na mesma área do mestrado pela Universidade de Augsburgo. Yoshiko é professora titular do departamento de Ciência da Computação da USP e suas pesquisas são focadas nas áreas de otimização combinatória e teoria dos grafos. Tem trabalhos em combinatória poliédrica, clustering, algoritmos de aproximação para problemas de empacotamento, grafos e outras estruturas discretas.
Apesar de afirmar que é crescente a participação das mulheres na Matemática, ela ainda considera que seja um índice abaixo das demais ciências. “Sinto que há uma participação maior das mulheres em muitas áreas da ciência, mas, em particular, na Matemática e na Ciência da Computação, acho que a participação das mulheres ainda é bem pequena, embora tenha crescido. No Instituto de Matemática e Estatística da USP, considerando todos os departamentos, com cerca de 160 docentes ativos, a porcentagem de mulheres é da ordem de 25%. Mas esta porcentagem é semelhante à de muitos países. Vi um dado recente de que, em matemática, apenas 19% dos docentes que atuam em tempo integral nas universidades são mulheres”, diz Wakabayashi.
Mesmo neste cenário, ela destaca um feito importante conquistado pelas pesquisadoras. “Por outro lado, a Medalha Fields, uma das maiores honrarias na área de matemática, concedida pela primeira vez em 1936 e desde 1950 concedida a cada 4 anos (a até 4 matemáticos com até 40 anos), foi agraciada recentemente a duas matemáticas: à iraniana Maryam Mirzakhani, em 2014, e à ucraniana Maryna Viazovska, em 2022. É um reconhecimento recente do papel importante das mulheres na matemática, que pode contribuir para um aumento de mulheres nessa área. Mas acho que esse aumento é um processo lento, que pode levar muitas décadas até chegar num patamar mais equilibrado”, analisa.
Yoshiko detalha também que uma das partes mais desafiadoras da sua vida foi a ida para o exterior para fazer seu doutorado. “O maior desafio foi o fato de que a opção pela carreira acadêmica implicou na necessidade de ir para o exterior para fazer o doutorado no início dos anos 80, uma época em que isso era incomum. Fui a primeira docente do departamento de ciência da computação da USP que obteve um afastamento para realizar esses estudos. Outros desafios se seguiram, comuns a todos que saem para fazer o doutorado no exterior. Tive a sorte de vivenciar, na Alemanha, um período muito fértil na área em que estava me especializando, o que tornou o doutorado uma experiência muito gratificante”, rememora.
Ações da SBM e da SBMAC
Na busca por um ambiente em que a matemática lute pela igualdade de gênero, a Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) e a Sociedade Brasileira de Matemática Aplicada e Computacional (SBMAC) criaram a Comissão de Gênero e Diversidade, que tem como missão propor e divulgar iniciativas que estimulem a redução da diferença de gênero e que aumentem a diversidade entre as pessoas que atuam na área de Matemática no Brasil.
“Com muita expectativa, integrei em 2021 a Comissão de Gênero e Diversidade da SBM e SBMAC e tenho aprendido muito, especialmente com as jovens colegas, que trazem demandas e cobram muito das mais experientes. Só recentemente conseguimos o relatório de dados de avaliação do perfil do gênero e raça dos estudantes de nível superior das instituições públicas e privadas do Brasil dos cursos voltados a Matemática e Estatística, para as situações de Ingressantes e Formados. Estamos convencidas de que só através de dados podemos efetivamente agir, e os dados são surpreendentes”, detalha Celina.
Criada em 2019, a Comissão atua com o objetivo de unificar ações das duas sociedades em prol da diversidade e equidade de gênero, raça, regiões geográficas, dentre outros, bem como aumentar a representatividade de grupos sub-representados e minoritários dentro da comunidade acadêmica, especificamente nas áreas de Matemática e Matemática Aplicada e Computacional. Dentro dessa área de atuação, estão também as iniciativas para propor mais espaços e oportunidades para as mulheres, que mesmo com toda evolução do mundo e da sociedade, ainda caminham para ter o espaço que realmente merecem.
“Considero muito importante promover ações que visem aumentar a representatividade das mulheres e outros grupos minoritários sempre e também dentro da área da matemática. A Comissão de Gênero e Diversidade da SBM e SBMAC já está desenvolvendo um importante trabalho com a escuta atenciosa e diferenciada das mulheres matemáticas, na proposição de medidas para a promoção da diversidade em eventos na área de Matemática, e na coleta de informações do perfil das estudantes de nível superior dos cursos da área”, afirma Teresa.
A Comissão, em parceria com o Comitê de Mulheres da SBMAC, vem realizando trabalhos a fim de promover mudanças estruturais e sociais nas escolas, universidades e comunidades. Dentre as iniciativas, estão a realização de eventos, as mudanças em editais, a criação de projetos de extensão e de redes de apoio, entre outras.
“Não tenho a menor dúvida de que movimentos e iniciativas dessa natureza são muito importantes e bem-vindos. Porém, acho que, para ter participação mais maciça, é preciso formar mais matemáticos, dando mais condições a todos que mostram propensão para essa área, muitas vezes percebida em competições escolares. Pesquisas indicam que dentre os fatores que contribuem para a escolha da área está o encorajamento dos pais, a formação dos professores de matemática, o conteúdo curricular, e a disponibilidade de mentores. Assim, acho que há um longo caminho a se percorrer, pois muitas mudanças de mentalidade e acessibilidade se fazem necessárias. Mas acho que premiações escolares, bolsas de estudo e olhares atentos de iniciativas como essa da SBM e SBMAC têm um papel muito importante para encurtar essa caminhada”, avalia Yoshiko.
A SBM também apoia eventos como o Celebrando a Mulher na Matemática (CWinM), que conta com palestras, mesas redonda e temática, sessões temáticas e um workshop voltado para a participação feminina na área. Além disso, recentemente a SBM e a SBMAC também ofereceram um treinamento para mulheres em parceria com a British Council, programa focado para aquelas que desejam desenvolver suas habilidades de liderança e avançar em suas carreiras. Uma outra ação importante foi feita junto a Sociedade Brasileira de Física (SBF), quando foi criado o Programa de Mentorias para Mulheres, que oferece treinamento e orientação para mulheres jovens que estão no começo de suas carreiras nas áreas STEM e têm que lidar com vários desafios da carreira acadêmica.