João Vitor da Silva: conheça novo matemático afiliado da Academia Brasileira de Ciências

Cearense se estabeleceu no interior de São Paulo, onde é uma das referências do Departamento de Matemática da UNICAMP

A Diretoria da Academia Brasileira de Ciências (ABC) anunciou, no fim de 2023, o resultado das eleições para os novos integrantes da entidade. Entre os membros afiliados, três matemáticos foram agraciados para o mandato de cinco anos. Da região de São Paulo, o representante foi João Vitor da Silva, docente da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Seu mandato será de 2024 a 2028 e o matemático de 37 anos receberá o diploma em um simpósio científico, previsto para a primeira quinzena de outubro. João Vitor foi eleito juntamente a mais quatro jovens cientistas do estado de São Paulo que apresentam boas iniciativas e têm carreiras promissoras.

“Entendo que tal honraria se destina a poucos pesquisadores no Brasil e vem consigo com toda uma vida dedicada a um propósito de fazer ciência de alta qualidade em um país que ainda investe poucos recursos nesta esfera da pesquisa”, avalia o Professor do Departamento de Matemática da UNICAMP.

Do Nordeste

Apesar de se estabelecer atualmente em Campinas, João Vitor é natural de Juazeiro do Norte, no Ceará, de uma família composta de cinco filhos. Desde a infância, seu interesse era claro por Ciências. “Encantava-me as Ciências Biológicas, estudar e conhecer sobre os animais e plantas era fascinante. O ‘Mundo de Beakman’, ‘X-Tudo’, ‘O Professor’ e ‘Planeta Terra’ da TV Cultura, Globo Ciência (TV Globo), e a Enciclopédia das Ciências e das Técnicas contribuíram para atiçar minha curiosidade sobre tais temas”, recorda.

O apego pela Matemática reservou um capítulo especial nessa fascinação. “Cresci em um ambiente onde meu pai trabalhava no mercado municipal como açougueiro. Assim, os números, os cálculos de pesos das compras dos clientes e os trocos a serem devolvidos eram algo cotidiano. No final de semana, meu pai tinha que fazer o balanço geral do caixa e tínhamos, com a ajuda da minha mãe, fazer o balanço entre o que foi apurado ao longo da semana e o montante devedor aos fornecedores. Para uma criança de sete, oito anos, tudo aquilo eram cálculos desafiadores”, detalha João. 

Apesar da experiência precoce com o trabalho da família, João preferiu seguir outro caminho e se aproximar ainda mais dos livros. Com 16 anos, já estava focado nos estudos de maneira a se preparar para o vestibular. E sua preferência era perceptível a todos ao seu redor.

“A escolha da carreira a seguir não foi tão difícil: Licenciatura em Matemática pela Universidade Regional do Cariri. Era um curso que me atraía, eu tinha certo traquejo com o tema e o horário das aulas era à noite em um campus vizinho ao bairro que morava em Juazeiro do Norte. Bingo, quase um alinhamento dos astros para que eu fizesse tal curso de graduação”, brinca João, que fez o curso entre 2005 e 2009.

Em 2011, João obteve seu Mestrado em Matemática pela Universidade Federal do Ceará (UFC) em uma transição importante para sua trajetória acadêmica. “A chegada ao Mestrado foi um ponto de inflexão na minha vida. A transição da Licenciatura para os estudos no Mestrado foi um salto não trivial pela dificuldade das matérias e por estar pela primeira vez longe dos meus familiares. A cobrança por aprovar as matérias básicas e os exames obrigatórios gerava uma atmosfera de muita tensão. Mas, juntamente com muitos amigos ao longo do caminho, conseguimos superar mais essa etapa”, conta. 

Finalmente, em 2015, também pela UFC, obteve seu título de Doutor em Matemática sob a orientação do Professor Eduardo Vasconcelos Oliveira Teixeira. Sob a tutela de Teixeira, foram mais de cinco anos de muitas experiências acadêmicas e conselhos para a vida profissional, as quais João conservará ao longo de sua vida. 
Ao término de seu doutorado, o cearense ganhou uma bolsa do programa governamental ‘Ciência Sem Fronteiras’ e iniciou seu Pós-Doutorado na Universidade de Buenos Aires, onde ficou até 2019, onde expandiu seu leque de colaborações e amigos. Em especial, Julio Rossi, o qual o acompanhou por quase todo seu período na Argentina ensinando várias lições que guarda até hoje com muito carinho.

Para Brasília e Campinas

Ao retornar ao Brasil, João se estabeleceu na Universidade de Brasília (UnB) até setembro de 2020, quando foi contratado pela UNICAMP. Na atualidade, o matemático investiga temas de Análise e EDPs e seus principais focos de interesse são Problemas de Fronteira Livre, Teoria Geométrica da Medida, Teoria de Regularidade para Equações Diferenciais Parciais Elípticas e Parabólicas e Análise Assintótica de Problemas Governados por Operadores do Tipo p-Laplaciano. 

“Não duvido que foi uma escolha acertada ter ido trabalhar em Campinas, onde hoje sou Livre Docente do Departamento de Matemática e Bolsista de Produtividade do CNPq”, reconhece o pesquisador, membro associado da Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) e assíduo frequentador dos eventos organizados pela entidade. 

Agora, como membro afiliado da maior entidade de Ciências do Brasil, o pesquisador espera que alunos e iniciantes de sua região possam ver nele um exemplo de conquistar seus ideais na área. “Não me vejo como referência, mas creio que para alguns estudantes da Universidade do Cariri e também da UFC eu venha a ser agora uma certa figura inspiradora, pois saí de um curso de Licenciatura em Matemática, fiz uma Pós-Graduação em uma Universidade do Nordeste e atualmente estou em um grande centro de pesquisa em Matemática do Brasil. Tal trajetória servirá de exemplo para jovens matemáticos em suas vidas profissionais”, analisa.

E a região Nordeste também está entre seus objetivos principais no mandato junto à ABC. As bandeiras de João contemplarão a chegada da Matemática a grupos minoritários do país. 

“Quero buscar mais investimento para a ciência de base, fomentando e manutenção dos estudantes em início de carreira, i.e., IC, mestrado e doutorado, transparência nos comitês que gerenciam os recursos, estabelecer parcerias com universidades em estados que historicamente estiveram no ostracismo do universo  da pesquisa (muitos estados do Norte e Nordeste) para o crescimento e manutenção e estabilidade de tais Pós-Graduações e lutar por mais inserção de pessoas historicamente invisibilizadas nos espaços acadêmicos e de poder (como por exemplo mulheres, negros, pardos, indígenas e pessoas trans)”, cita o matemático. 

E para quem ainda crê que Matemática não reserva campo no Brasil, aqui vai um conselho de quem ultrapassou as barreiras naturais para concretizar seu sonho através da Academia. 

“Lembrem-se que a excelência leva tempo para ser construída e reconhecida. J.K. Rowling, Conceição Evaristo, Samuel L. Jackson, Walt Disney, Oprah Winfrey, Andrea Bocelli, Susan Boyle e Van Gogh são claros exemplos de tal fenômeno. Outro ponto fundamental é que nos cerquemos de pessoas com os mesmos propósitos que almejamos, o ambiente em que frequentamos fará muita diferença em nossa forma de ver o mundo. Ao seguir qualquer carreira, vise-a por satisfação profissional e identificação. Às vezes buscamos uma gratificação financeira a médio prazo e isso poderá gerar muitas frustrações e estresse. É essencial trabalhar naquilo que somos apaixonados. Salários estratosféricos às vezes não pagam sua saúde física e mental”, finaliza João. 

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