Professora da UFRJ foi reconhecida na categoria “Cientista Destaque de Matemática do Brasil” por sua trajetória destacável na ciência brasileira durante mais de 50 anos
Quem opta por começar sua carreira acadêmica em Ciências Matemáticas, certamente vai se deparar com o nome de Maria José Pacífico. Afinal, é mais de meio século de contribuições com pesquisa e docência que a alçaram ao posto de uma das pesquisadoras mais conceituadas no Brasil e no exterior.
Sua carreira inspirou e continua influenciando positivamente a trajetória de muitas mulheres que sonham em progredir academicamente graças à Matemática. Sua liderança em palcos ainda majoritariamente masculinos foi reconhecida pela Sociedade Brasileira de Matemática (SBM), no início do mês de outubro, com o prêmio ‘Elas na Matemática’, em parceria com o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
A professora do Instituto de Matemática da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IM-UFRJ) recebeu o prêmio durante o I Workshop da SBM de Mulheres na Matemática, realizado na Universidade Estadual de Maringá (UEM), na categoria “Cientista Destaque de Matemática do Brasil”. A classe é destinada às pesquisadoras com carreira mais consolidada, que tenham atuado como lideranças no país, trazendo contribuições relevantes para a pesquisa matemática brasileira e internacional.
“O prêmio não é só meu, mas é para toda a rede de apoio e parcerias que consegui formar ao longo de todos esses anos na minha carreira científica. Sem eles, a trajetória teria sido outra. Fiquei muito emocionada e agradecida por ter sido agraciada com esse prêmio. É o resultado de um envolvimento muito grande com a comunidade matemática brasileira, em especial a comunidade de Sistemas Dinâmicos, que é a minha área principal de pesquisa”, destaca a pesquisadora e condecorada com a comenda da Ordem Nacional do Mérito Científico da Academia Brasileira de Ciências (ABC), em 2010.
Para chegar a uma carreira consolidada profissionalmente, a primeira tarefa naturalmente seria gostar de trabalhar com o que escolheu para a vida. E para Maria José, amar Matemática nunca foi uma incumbência, mas um indescritível prazer.
“Sempre tive muita sorte de escolher uma carreira de que gosto. Deve ser uma coisa terrível você se dedicar a algo que faz somente por obrigação. E eu amo Matemática, amo descobrir coisas novas, gosto daquela sensação de ajeitar tudo no seu devido lugar, juntar as peças de um quebra-cabeça até a solução final. E quando você faz o que você gosta, fica tudo mais fácil e você sequer se lembra dos obstáculos. Eu nem me lembro”, diverte-se a professora da UFRJ.
Brincadeiras à parte, Maria José sabe que desafios não faltaram, mesmo que ela insista em dizer que não se recorda. E talvez o principal deles foi se impor em um meio machista. E ela tem consciência da responsabilidade que carrega como exemplo para milhares de meninas que sonham em trabalhar com ciência.
“Eu sou mulher, mãe, esposa etc. E numa realidade como essa, você tem que se triplicar para conseguir manter o seu ritmo. A sociedade até hoje é machista, imagine naquela época… então eu aprendi a me concentrar, aproveitar qualquer brecha e mergulhar naquilo para conseguir produzir. Eu organizava a minha vida para equilibrar a parte familiar, a parte profissional e a parte matemática. A própria Matemática me auxiliou a fazer uma divisão do tempo e uma concentração muito grande para conseguir realizar as tarefas a que me propunha”, narra a matemática de 72 anos.
Atualmente, Maria José é reconhecida nacional e internacionalmente como referência na área de Sistemas Dinâmicos. Mas, acima de tudo, ela quer se manter ativa por muitos e muitos anos ainda, principalmente por ser extremamente curiosa: “Enquanto eu tiver fôlego, quero manter essa curiosidade acesa dentro de mim”.
Trajetória
Maria José Pacífico nasceu no feriado de Tiradentes de 1952 na pacata Guariba, no interior de São Paulo. Sempre estimulada pelos pais a estudar desde pequena, a paulista logo se juntou a um grupo de estudos da escola no Ensino Fundamental e mergulhou nos livros.
Desde a infância sempre teve um apego muito maior por Matemática do que História e Geografia. Mas nunca deixando de lado os conhecimentos de Língua Portuguesa, afinal números, figuras e equações estavam na mesma balança de redação, semântica e gramática.
Completou o Ensino Médio e, com menos de 18 anos, foi aprovada no curso de Licenciatura em Matemática na Faculdade de Ciências e Letras (atual Unesp de Rio Claro), em 1970. Após completar a graduação três anos mais tarde, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde concluiu as modalidades de mestrado e doutorado em Matemática no IMPA, em 1980.
No fim da década de 1970, Maria José iniciou suas pesquisas em Sistemas Dinâmicos, área a qual abriu seus horizontes na profissão. Seus trabalhos na área têm sido publicados em periódicos de grande prestígio e evidenciam a relevância e o impacto de suas contribuições para a Matemática. Hoje, ela atua principalmente nos seguintes temas: hiperbolicidade singular para fluxos, atratores caóticos tipo Lorenz, tanto do ponto de vista topológico como da medida, classes homoclínicas, aspectos topológicos e ergódicos de dinâmicas genéricas.
Em 1982, a paulista integrou o corpo docente da UFRJ, na qual exerce a função até hoje. Maria José também organizou várias reuniões científicas na área, promovendo a vinda de muitos professores visitantes à instituição carioca, colaborando deste modo para o fomento do intercâmbio científico entre o Instituto de Matemática e outras instituições e a consolidação da UFRJ como um polo de pesquisa em Sistemas Dinâmicos.